4. CHEIOS DE VIDA

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Jeff volta para o quintal com Eliza, tentando sair da atenção de toda aquela gente. Ele imagina o que será que passa na cabeça dela, se ela sente mesmo alguma coisa por ele ou se já teve sentimentos compartilhados com Adam em momentos anteriores.

— Quer uma bebida, Jeff? Vou pegar para a gente, espera aí – disse Eliza, deixando-o sozinho no banco do quintal.

Jeff aproveita a saída breve da garota para ver melhor o local em que está. Vê que todos estão ali para mostrar a sua melhor versão; uma personalidade que é desconhecida pela maioria das pessoas do dia a dia, mas que é ativada com doses de álcool ou com uma companhia libertadora. Todos estão mostrando que estão bem, que não tem preocupações, que não se importam com os comentários alheios a respeito do corpo. Seria bom se todos tivessem essa mesma coragem a todo o momento, pensou alto.

Eliza volta com as bebidas nas mãos. Duas garrafas de cerveja que já estão abertas.

— Gosta mesmo de cerveja? Até hoje não consegui gostar disso. Acho muito amargo – disse o garoto, pegando a garrafa.

— Eu não sou muito fã, mas aqui não temos muita escolha do que beber – e deu um gole logo em seguida.

Jeff a acompanhou na bebida, mas logo teve de se retirar para esvaziar a sua bexiga.

Antes de chegar ao banheiro, Jeff se depara com uma visão indesejável nos degraus da escada.

— Ora, ora... Olha só quem está aqui... Jefferson Lobo! – disse Daniel, cinicamente.

— Oi, Daniel – falou secamente, tentando subir o restante da escada.

— Calma aí, agora que estamos tendo a chance de conversar um pouquinho, você já quer ir embora? – Daniel coloca o braço na frente do garoto, impedindo-o de continuar o caminho.

— A última coisa que eu quero fazer na vida é conversar com você. 

— Você é sempre tão careta, não é? Mas vi que você deixou de ser um sonso, eu percebi que agora você está ficando com a Eliza.

— E daí?

— Eu fico muito feliz com isso. Agora que deixou de ser um gordo, deve ser mais fácil atrair garotas. Mas ainda resta saber se você é um idiota.

— Cala a boca, Daniel. Saia da minha frente.

— Relaxa, cara. Estamos apenas conversando. Olha, para mostrar que eu não quero mais intrigas com você eu tenho um presentinho – tira do bolso um pacote pequeno e transparente, cheio de comprimidos de diferentes tipos, colocando-os na palma da mão – Quero ver você mais alegre, para deixar de usar essa sua cara amarrada.

— Eu não quero nada.

— Vai querer, sim. Senão vai ter que se ver comigo e com uns coleguinhas meus – aproxima-se os comparsas de Daniel, que ao todo são seis garotos de olhares cansados.

— Eu não tenho medo de você, Daniel. Muito menos dos seus amiguinhos de merda.

— Olha como você fala comigo, Jefferson Lobo. O seu pai não gostaria de ver você usando esse tipo de linguajar.

— Nunca use essa tua boca nojenta para falar do meu pai! Agora saia da minha frente!

— Bem, se não vai tomar por bem então vai ser por mal. Peguem esse idiota!

Na mesma hora, um dos cúmplices aproxima-se por trás do garoto, dando-o uma chave-de-braço e levando-o obrigatoriamente para uns dos cômodos da casa. Jeff se esperneia, tenta puxar o braço envolto ao seu pescoço, mas consegue se livrar apenas quando é jogado no chão de um quarto.

Ainda jogado, tenta fazer com que o oxigênio volte para o seu cérebro. Respira fundo e levanta-se meio tonto. Antes que Jeff possa compreender o que está acontecendo, Daniel fecha os punhos e despeja todo o seu ódio na barriga do garoto.

— Abram a boca dele! – e um dos colegas obedece à ordem de Daniel.

Jeff não desiste, morde o dedo do indivíduo que tenta abrir seus lábios, mas recebe mais um soco de um aliado e os outros cinco seguram seus braços e pernas, deixando-o imóvel.

— É pra você me obedecer! – Daniel toma a frente, forçando a boca de Jeff e colocando os remédios na goela do garoto enquanto outro marmanjo segura firme o rosto do rapaz, que se engasga com a quantidade de comprimidos e com o álcool que enfiam em sua garganta para que consiga ingerir tudo.

— Engole tudo, se não quiser apanhar mais! – Daniel certifica se a boca de Jeff está vazia – Viu, Jeff? Se você fosse obediente e estivesse disposto a aceitar o meu presentinho, nada disso teria acontecido. E se você contar para alguém o que aconteceu aqui vai ver coisa pior, você me entendeu? – soltou o rosto do jovem e falou para os seus aliados soltarem-no ao chão.

Não satisfeito com os murros, Daniel faz de Jeff um saco de chutes, obrigando seus parceiros a reagirem com a mesma atitude.

— Agora vai continuar o que você estava fazendo, seu merda! – Daniel sai dali junto com os capangas.

Como um animal atropelado num asfalto, Jeff tenta reunir forças para se recompor. Nunca foi tão difícil ficar em pé, nunca seu coração esteve tão acelerado como agora. Além de perceber que sua calça está molhada com sua própria urina, vê que o retângulo comprido e turvo a sua frente parece ser a porta. Ao abri-la, a escada está mais próxima do que parece. Desce o primeiro degrau em falso, apoiando todo o seu braço no corrimão. Sua cabeça parece que vai explodir.

— Onde você estava e o que aconteceu com você?! – indagou Eliza ao vê-lo arrebentado, lutando para chegar até o andar térreo da casa.

Os olhos vermelhos e a boca azulada de Jeff causam espanto em Eliza.

— Ai meu Deus, Jeff! Vem, eu levo você para casa. Já chega dessa festa por hoje – coloca o braço dele em seus ombros, levando-o em direção à rua – Diga alguma coisa, Jeff. O que aconteceu?

Jeff não responde. Seu braço se desprende dos ombros de Eliza e o seu corpo também, caindo no gramado da calçada. O corpo do garoto começa a tremer como se um imenso frio o atormentasse. Seus olhos reviram-se como se pudessem ver o interior do corpo e sua boca espuma como se tivesse acabado de escovar os dentes.

— Jeff! AIMEUDEUS!

Eliza vira o rosto do garoto para que ele não se engasgue com a própria saliva.

A curiosidade e pena estão estampadas no rosto dos jovens que se aproximam.

— Não fiquem aí parados que nem idiotas! CHAMEM JÁ UMA AMBULÂNCIA!

— O que aconteceu?! – exclamou Adam, surgindo no meio dos outros curiosos.

— Ele estava estranho e do nada caiu no chão – o choro de Eliza torna sua fala quase incompreensível, o que aumenta o espanto de Adam.

— Por que ele está assim? O que aconteceu, meu Deus?! – exclamou Adrian, que despertou depois de um bom tempo.

— Se você não estivesse dormindo de tão bêbado saberia da situação! ALGUÉM JÁ CHAMOU UMA MERDA DE AMBULÂNCIA?! – gritou Eliza, aos prantos.

— Calma, eu só fiz uma pergunta.

— Cala a boca, Adrian! – exclamou Adam.

— E você, onde estava para não ver o que aconteceu com ele? – perguntou a garota para Adam.

— Eu pensei que VOCÊ estava com ele. Vocês ficaram juntos o tempo todo!

O som das sirenes serve de consolo para os gêmeos e Eliza. Logo os paramédicos pedem para que todos se afastem e tentam fazer que Jeff volte à consciência antes de entrar na ambulância. O garoto parece abrir os olhos e os paramédicos colocam-no na maca. Logo o carro branco afasta-se cada vez mais, com os toques repetidos diminuindo à medida em que some de vista.

— Quando perceberem que foi a gente que o trouxe para cá, estaremos ferrados – disse Adrian ao ver a ambulância partir.

Os três trocam o mesmo olhar que trocaram anteriormente; uma visão que esconde o medo do que pode vir pela frente.

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⏰ Última atualização: Oct 01, 2021 ⏰

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