2. SENTIMENTOS

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Ao chegar em casa, guardando a sua bicicleta na garagem, Jeff sente um aroma familiar. O meu prato preferido – é a primeira coisa que passa na mente dele. Chegando à cozinha, vê sua mãe levando uma travessa de lasanha à bolonhesa para a mesa de jantar.

— Onde você estava? – indagou a Dona Selena.

— Depois da escola eu fui visitar o senhor Danton. Ficamos conversando, por isso demorei.

— Hum... E ele está bem? Creio que ele ainda deve estar sensível com a morte da esposa dele.

— Está mesmo, mas isso é normal. Faz apenas um ano que ela se foi. Quando eu estava conversando com ele, lembramos do meu pai...

— Nem parece que ele se foi há seis anos! Sinto muito a falta do meu Rômulo... Certas vezes a vida é muito injusta, não concorda, meu filho? Um homem tão bondoso morrer daquele jeito trágico...

— Vamos mudar de assunto, por favor? Não quero ter que imaginar a cena de novo – falou Jeff, quase exaltando a voz para abafar o medo dentro de si.

— Está bem, não está mais aqui quem falou... Eu pensei que isso não te afetava como antes.

— Como não afeta? Perdi o meu pai por causa de um engano absurdo e você acha que isso não me afeta mais? Que tipo de mãe é você?

— Olhe como você fala comigo! Você acha que isso não me afeta também? Acha que eu não sinto falta do seu pai? Acha que eu ainda não choro por saber que eu não posso mais vê-lo por que ele se foi? Eu só quero tentar conversar com você para que essa dor diminua. Não é certo evitar o que te machuca, porque querendo ou não isso vai voltar e vai te afetar cada vez mais.

Num súbito, o garoto deixa a mãe sozinha falando ao vento e sobe rapidamente para o quarto. Tenta evitar ao máximo que ela saiba de sua agonia, mas compreende que é impossível esquivar-se disso.

Já em seu dormitório, pega o porta-retrato que registra um dos últimos momentos em que esteve nos ombros do pai no parque de diversões, antes do acidente acontecer. O garoto, que tinha apenas 11 anos, descobriu a dor que ninguém gosta de sentir e que tem um tempo quase indistinguível para passar: o luto. Desde então, nunca soube controlar suas lembranças, que até eram positivas, mas que logo em seguida eram tomadas pela cena de Rômulo caindo no chão, ficando inconsciente.

Rômulo foi assassinado por engano, pois foi confundido com um ladrão de banco qualquer por policiais devidamente despreparados. E quando outros oficiais souberam desse desacerto, já era tarde demais, já não tinha como trazê-lo de volta à vida, obrigando que a existência dele fosse resumida em lembranças vívidas.

A batida na porta do quarto interrompe mais uma vez as suas emoções.

— Desculpe, meu amor. Eu não queria magoar você... – falou a Dona Selena, com a voz abafada pela porta – A lasanha vai esfriar se você não for comer agora... Eu vou guardar um pedaço para você comer depois – retira-se logo, sem ouvir respostas.

A Dona Selena, apesar de ter um jeito de não pensar muito bem nas palavras que vai usar ao se comunicar, é uma mulher trabalhadeira. Também é professora, dando aula para os alunos do primário numa escola perto de casa e acaba de entrar de férias depois de um longo ano de serviço. Criou o filho sozinha após a morte do marido e teve de lutar para não perder a casa. Com tais esforços excessivos, seus precoces cabelos brancos evidenciam sua vida estressante, mas isso não é empecilho para que sua beleza seja ofuscada, pois seu olhar castanho e o modo quase elegante de se vestir dão a ela um ar de eterna juventude. Também, a mãe do garoto nunca soube resolver a questão da saudade de Jeff pelo pai. Quando ela acha que o assunto está criando uma cicatriz, na verdade a ferida ainda está aberta, aprofundando-se cada vez mais ao lembrar da cena do último dia da vida de Rômulo. Nunca conseguiu convencer o filho a buscar uma ajuda médica, mas sempre fica contente pelo apoio dos gêmeos e de Eliza, os amigos inseparáveis dele.

Jeff se joga na cama, gritando no travesseiro a melancolia de sempre durante uma eterna meia hora. Para ele, fazer terapia é algo desnecessário, mesmo depois de ver a melhora de sua mãe após algumas sessões. Consegue adormecer, já que está esbaforido depois de mais um dia cheio, dando espaço aos sonhos em que vive num mundo melhor, num universo em que está feliz com o pai.

***

O sono do garoto é interrompido com o seu celular tocando; é Adam. Jeff atende, ainda sonolento.

— O que é? Eu estava dormindo – disse friamente.

— E aí? Está a fim de sair hoje? Eu e o Adrian estamos indo para uma festa daqui a pouco. O que acha de ir com a gente?

— Hum... Eu não sei se seria uma boa ideia... É que... – foi interrompido por Adam.

— Anda, você está precisando de ânimo. Não aceito não como resposta, hein! A gente vai passar aí às 21h para te buscar. Combinado?

— Bem, se eu não tenho escolha... Combinado – concordou para não desapontar o amigo.

Jeff percebe que uma distração seria boa, mesmo não estando com muito ânimo para isso. Decide que, ao tomar um banho, poderia disfarçar mais os olhos inchados e o seu cheiro. E logo após isso, escolhe uma roupa limpa e o perfume que mais gosta.

Descendo às escadas em direção a sala, sua mãe questiona-o, querendo saber o motivo da ligeira mudança de aspecto.

— Aonde você vai? Não vai jantar primeiro? – perguntou, parando a leitura que estava fazendo.

— Vou sair com os gêmeos.

— Mas já? Você não comeu nada a tarde toda. Tem que comer antes de sair – sua voz é cortada pelo som da campainha.

Os gêmeos já estão à porta na espera do jovem Jeff, cumprindo com o horário marcado. Por um momento, passa pela cabeça do garoto em desistir de sair de casa, cogita a ideia de recusar o convite, mas analisa que ao fazer isso estaria sendo chato com os outros garotos.

— Pelo amor de Deus, meu filho. Tome cuidado. Não volte tarde, não dirija alcoolizado e não faça nada dessas coisas que uma mãe diria para o filho não fazer.

— Pode deixar, Dona Selena. Ele vai voltar são e salvo – disse Adrian.

— Que assim seja, senão vou arrancar essas orelhas de vocês.

Indo para o carro, o garoto se despede da mãe de um jeito desgracioso. Vai a esse festejo querendo livrar-se das conversas e lembranças sofríveis, querendo sair dentro de si mesmo, procurando uma existência menos atormentadora. Prestes a partir, imagina o que poderia acontecer nessa festa de início de verão.

O AMOR DE JEFFOnde histórias criam vida. Descubra agora