Capítulo único

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As palavras ecoavam em sua cabeça, lhe dizendo que mais um ano sua presença não fazia sentido. Não, ele sabe, ele acostumou-se com a solidão, e ainda que a fresta de luz pairou sobre si, ele sucumbiu aos desejos de vingança. Ele chorou, ele sorriu, ele lutou. Sim, ele caminhou por muitas estradas, todas com um único propósito e, diante delas, ele amaldiçoou-se por ser tão incapaz.

Ele continuou, mesmo sabendo que o caminho era longo e perigoso, e não se atreveu a olhar para trás, porque ele sabia, não havia volta.

À medida que o tempo passava, ele acostumou-se, ainda que seu corpo travasse em alguns pontos, seu desejo era maior que seu temor. Outro ponto positivo, ou não. Lembrava-se da escuridão, quando vivia nas sombras. Os úmidos túneis escuros iluminados por velas, com suas paredes claustrofóbicas e salões labirínticos. Ele podia ver-se andando pelos corredores mal iluminados da serpente, e os atuais passos hesitavam à medida que seu corpo se aproximava do destino ao qual sabia: escolheu alguns anos atrás.

Ele não trazia nada consigo e nem pensou em trazer. Suas atenções eram, unicamente, voltadas aos pensamentos irracionais que mostravam seus pecados, irremissível, fazendo-o retroceder por um breve instante, antes de voltar a caminhar, sentindo o peso de suas vestes puxar seu corpo para baixo. E ele buscou dizer para si mesmo que era devido à gravidade.

Não havia perdão, não havia o que perdoar. Somente podia buscar sua redenção, e ele sabia, estava errado. Sob o céu de outrora, ergueu a cabeça e caminhou sem olhar para trás, sentindo todos os músculos de seu corpo lhe guiar para um caminho desconhecido. Buscou conhecimento, ensinou, aprendeu, compreendeu e se deixou levar enquanto seus pés tivessem forças para prosseguir.

E ainda que estivesse tão distante, sabia que uma pessoa esperava por si. Mas por quê? Por que ela insistia em esperar, quando não havia motivos para se agarrar a alguém como ele? E todas às vezes que sua mente questionava as ações de Sakura, lembrava-se da frase de seu mentor:

“Só há razão quando se odeia alguém”

Não, ele sabia, havia motivos de sobra para ela o odiar, havia motivos para o querer distante, e toda vez que pensava estar afastado, a jovem aparecia diante de si, e o fazia questionar-se sobre todo o caminho que trilhou. Era irracional as atitudes dela, ele pensava, e até mesmo patéticas. Entretanto, o leve puxão em seus lábios foi inevitável. E quanto mais se aproximava, mais os sons de comemoração eram ouvidos fora das casas das pessoas daquele vilarejo, e ele não se sentia parte do local. Tudo tão enfeitado, ofuscado pelo céu nublado e o farfalhar das folhas, o deixavam perdido. Entretanto, seus passos eram firmes e decididos, e só pararam quando ele estava de frente para a porta branca. Hesitou, inspirando uma, três vezes até erguer o braço direito e bater algumas vezes no local. Aguardou alguns segundos, minutos, não sabia definir, e somente foi capaz de enxergar os pares de esmeralda encarando-o com a testa franzida por completo.

Tentou enxergar ali, naquele momento, quaisquer vestígios de arrependimento, mas ele não encontrou, e só então teve certeza de estar fazendo a coisa certa.

— Sasuke-Kun...? — Ela o olhava confusa, curiosa e... Feliz.

Ele havia treinado trocentas vezes as palavras, e só então percebeu que não precisava de textos, ou presentes, para chegar ali na casa dela, porque Sakura o receberia, independente de qualquer coisa, de braços abertos. Como utopia... Sonhos, imaginações, e um passado distante, tomado de si de forma bruta, e que agora podia ser consertado. Fora Sakura quem sempre esperou por si, quem nunca o julgou e quem sempre chamou seu nome, fazendo-o parar quando a escuridão controlava-o. Ela, e sempre ela! E ele soube, desde então, que também seria ela a lhe dar uma nova vida.

— Feliz natal, Sakura. — Disse, simplesmente. Sem culpa, sem remorso e, finalmente, livre.

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