Lost soul

não humano

Cada movimento que você der, cada palavra que você disser,  cada suspiro que você der, eu estarei te observando.
_the police, every breath you take

primeiramente, senti como se meus orgãos estivessem sendo esmagados. Meu coração batia tão forte que mesmo com o barulho de zumbido que fazia dentro daquele enorme túnel no qual eu caía, eu podia escutar as batidas no meu ouvido. Era uma enorme queda que parecia não ter fim, como a toca de coelho em que Alice havia caído. Mas ao invés de paredes de terra, havia uma luz azul contornando todo o buraco por dentro. Não sei ao certo quanto tempo passei nos ares, talvez cerca de três minutos. Quando achei que meu corpo seria totalmente esmagado quando chegasse em algo sólido, senti um textura macia me acolher . Eu havia caído em cima de um amontoado de flores de todas as cores possíveis. Um cheiro delicioso invadiu as minhas narinas, cheiro de rosas. Olhei para cima e vi galhos de árvores com flores e frutos fazendo uma sombra quase total sobre o local, deixando poucos raios de sol passarem. Finalmente me levantei e olhei ao redor, me dando conta de quão bonito era aquele lugar: a grama tinha uma tonalidade de verde forte, pequenos animais passeavam por ali e as árvores eram todas recheadas de frutos frescos. Mesmo o lugar sendo encantador, eu estava desconfiado e tinha um mal pressentimento o qual não sabia explicar de onde vinha. Atrás de mim, uma mata com galhos enroscados se estendia até um local que eu não fazia ideia onde dava, era sombrio e mórbido. Senti um arrepio nos braços, subindo para a nuca. Lá dentro parecia escuro em contraste com a paisagem aberta e colorida que se encontrava a minha frente. Resolvi seguir o caminho que parecia menos assustador. Andei por horas, dando pequenas pausas pra descansar e comer alguns dos frutos. Mas parecia que a medida em que me alimentava me sentia ainda mais fraco. Eu caí sentado e tonto na grama, com as mãos cobrindo o rosto, tentando fazer aquela sensação passar. De repente, tive a impressão de ver ondulações no chão. Achava que era a minha mente cansada, mas no instante seguinte tive a certeza de que a terra abaixo de mim estava tremendo tanto que poderia rachar. Vi animais correndo para todos os lados, atordoados. Me forcei a ficar de pé e quando me virei, avistei um enorme amontoado de pelos correndo em alta velocidade na minha direção. Na hora, não consegui identificar de que bicho se tratava, mas pouco importava, só queria sair vivo. Corri o máximo que consegui, com o coração martelando contra meu peito e minha cabeça girando. Não ousava olhar para trás, apenas avançava em passos largos. Seja lá o que fosse aquilo, não parecia muito amigável. Quando o cansaço me venceu, parei por um momento e olhei para trás, não havia mais nada, apenas uma enorme escuridão me cercando por todos os lados. Eu estava perdido. Olhei para todos os lados em busca de respostas, mas tudo que via eram galhos tortos e um chão que quase me afundava em folhas secas. Naquele local, a temperatura era mais alta, então logo senti minhas roupas grudarem no corpo. Corri desesperado, tentando encontrar o caminho de volta para a claridade, mas quanto mais eu tentava, mais me perdia. Eu não entendia como havia me perdido tão rápido, foi um segundo. Era impossível que aquela parte da floresta tivesse simplesmente sumido, não conseguia compreender. Achei que tudo estava perdido. Fui tomado pelo cansaço e fome, ajoelhado no chão pegajoso daquela floresta, com lágrimas se formando no canto dos olhos. Por um momento, eu desejei voltar para casa e fiz a promessa de nunca mais reclamar da minha vida monótona. Chorei como nunca antes. Teria uma morte lenta e solitária em um mundo o qual eu sequer sabia se era real. Senti um vento gelado bater nas minhas costas. Me virei rapidamente e fiquei de pé, vi uma pequena e trêmula luz amarela, como a de um candelabro. Mas eu não ousei me aproximar, eu tive medo do desconhecido. Todo ser humano tem esse medo dentro de si. O ato de temer é como uma vacina, e como sabe-se, nenhuma delas tem cem por cento de aprovação. Muitas vezes, o estranho nem representa um perigo real, porém já o evitamos. Por um instante, a coisa levantou o candelabro e eu pude ver sua face: rosto pálido e dois buracos negros no lugar onde deveriam estar seus olhos. Seu corpo começou a se contorcer, de forma que seus ossos ficaram tão evidentes que quase rasgavam sua pele a cada movimento. Possuía uma aparência humana, mas não agia como tal. Seja o que fosse, aquilo não era racional. Isso era exatamente o que me causava terror. Era uma visão familiar agindo de modo incomum. Assisti tudo incapaz de me mover, sentia cada músculo tensionado. Minhas mãos estavam agarrando firmemente o meu casaco, como se estivesse cola envolta delas.

_ não tenha medo de mim_ a voz sussurrou, rompendo o silêncio que abraçava a floresta.

Sua postura voltou ao normal e ele me estendeu uma mão, enquanto a outra segurava a fonte de luz. Era um rapaz comum. Possuía olhos negros.