dia 1

1K 113 38
                                    

Seria um dia como qualquer outro. Marco se levantaria de sua cama às 6:30 da manhã, se arrumaria, trocaria a água e a comida de seu gato e desceria os 4 lances de escadas até o térreo. Andaria alguns metros até chegar a padaria da esquina, lá tomaria seu café e comeria algo que lhe apetecesse no dia, em seguida, voltaria para o prédio onde pegaria suas coisas e desceria novamente até chegar ao seu carro e seguir caminho para o trabalho.

Isso, claro, se não tivesse se arriscado, no dia anterior, a tirar algumas fotos de aves em quase extinção e sofrido aquele acidente que colocou um gesso em sua perna pelos próximos 15 dias.

"Você tava pensando em que? Que só porque é ornitólogo você aprendeu a voar com os pássaros? Tem minhoca na cabeça?" lembrou-se das palavras de Izou, seu vizinho de andar, ao relatar o ocorrido para ele naquela tarde quando o viu chegar com as muletas, as leves escoriações em seu corpo e a perna engessada.

Óbvio que o loiro sabia que não era nenhum pássaro, mas não podia deixar aquela oportunidade passar, afinal, era seu trabalho estudar, catalogar e localizar as diversas espécies de aves. Ele só não esperava que após o clique da câmera fosse sofrer um acidente que o deixou alguns bons arranhões e uma perna imobilizada.

Naquele momento o loiro dava uma risada ao lembrar da cara abismada de Izou ao vê-lo chegar do hospital, das broncas que o vizinho lhe dera por ter agido tão imprudente e, claro, não deixou de alfinetá-lo pela idade, - apesar de Marco não passar dos trinta, mas era alguns anos mais velho que o moreno, o que já abria brecha para piadas, - e sobre como deveria deixar aquelas coisas para um fotógrafo profissional e mais bem qualificado para ir em lugares exóticos para tirar fotos.

Mas, mesmo o enchendo de broncas, Izou ajudou a colocar as coisas essenciais do loiro em uma altura boa o suficiente para que ele pudesse alcançar. Afinal, com a perna engessada não tinha tanta mobilidade para se abaixar.

Além de vizinhos eram ótimos amigos, conheceram-se logo que o loiro se mudara sozinho para o apartamento e não demorou para que a amistosa relação entre vizinhos se tornasse uma longa e duradoura amizade.

Ao longo do convívio passaram a se ajudar sempre que precisavam, visto que ambos viviam sozinhos e às vezes precisavam de açúcar ou só companhia.

- Pronto, assim você pode se virar enquanto vou pro trabalho - comentou o moreno colocando as mãos na cintura e olhando o bom trabalho em ajeitar rapidamente a casa alheia - volto mais tarde para ver se você não morreu sozinho.

- Obrigado, Izou, sabia que poderia contar com você - agradeceu o loiro tentando arrastar uma das cadeiras para perto da janela e observar os pássaros, enquanto não podia voltar ao trabalho.

- Céus, deixa que eu faço isso. Quer sofrer outro acidente, é? - disse Izou pegando o objeto das mãos alheias, arrastando-o até próximo a janela - aqui está bom?

O loiro concordou e Izou se adiantou para a porta, sendo acompanhado pelo gato alaranjado e rajado de Marco. O enorme felino passava pelas pernas do moreno e miava animado, deitando de barriga para cima e rolando em seguida.

- Não acha que o alimenta demais? - perguntou o moreno afagando o animal, ouvindo-o ronronar - está uma bolota de pêlos - Izou apertou sutilmente a pancinha do felino, acariciando a região.

- Ele está gordinho e saudável, é o charme dele - pontuou o loiro sentando na cadeira e abrindo a janela, logo o enorme felino correu até lá, pulando no beiral do objeto, olhando para alguns pássaros pousados nos fios mais ao longe.

- Bem que dizem que os animais puxam o dono - comentou o de longas madeixas rindo ao notar ambos olhando para as aves, tão atentos que nem ao menos desviavam o olhar.

Após se despedir de Izou, Marco ficou observando pela janela, passeando seu olhar pelo céu e ruas, tentando buscar algo interessante para se observar.

Estava entediado ali, o médico lhe dissera para evitar muitos movimentos e seu chefe o obrigara a ficar em casa, mesmo que o loiro insistisse que ficaria quieto escrevendo ou pesquisando algo no laboratório. Tal fato só resultou em uma longa explicação e broncas sobre não desobedecer às ordens médicas e sobre direitos trabalhistas.

O loiro suspirou no mais puro tédio, apoiando seus cotovelos no beiral, ao lado de onde seu gato estava.

- Parece que somos só você e eu pelos próximos dias, Neko - comentou Marco colocando sua mão sobre os pêlos macios, os afagando com carinho.

Em seguida voltou seu olhar para frente, observando as varandas e janelas do prédio do outro lado da rua, notando que a maioria estava vazia, afinal, era horário comercial e muitas pessoas estavam em seus trabalhos ou escolas.

Logo seu olhar foi atraído para a varanda bem em frente a si, onde havia uma pessoa andando de um lado para o outro. O loiro focou sua atenção ali, afinal, não tinha mais nada para fazer e ao menos poderia passar o tempo observando a vida alheia.

Marco acompanhou o rapaz do outro lado da rua andar a passos duros pela varanda, mesmo com a distância em que estava, podia notar que ele estava nervoso e agitado, movendo a boca de forma rápida, como se reclamasse de algo consigo mesmo.

O loiro bufou frustrado por não conseguir ouvir o que o rapaz dizia, estava curioso para saber o que o havia deixado daquela forma. Será que havia brigado com alguém? Se frustrado no trabalho? Terminado algum relacionamento? Essas e outras perguntas, Marco não saberia responder.

Em seguida, observou o rapaz do outro lado pegar o próprio celular, clicando na tela com certa irritação, colocando o aparelho em seu ouvido, aguardando que o atendessem, ainda andando de um lado para o outro.

O loiro ficou observando enquanto o rapaz parecia conversar com alguém, sua boca mexendo rapidamente, os passos se tornando ainda mais duros pela varanda.

De repente, notou o outro passar a mão que não segurava o aparelho por seus olhos, esfregando a região. Marco se inclinou um pouco mais, querendo saber o que estava acontecendo com o outro, se estava chorando de raiva ou tristeza, se tinha alguém com ele no apartamento que o pudesse abraçar e o consolar pelo que ocorrera.

Não sabia nada sobre aquele rapaz moreno do prédio a frente, mas de alguma forma havia simpatizado com ele e com seu estado aparentemente transtornado.

Ficou evidente para si que o outro estava irritado e triste após desligar o aparelho, a expressão na face do moreno era bem clara quanto aquilo, ainda mais acompanhadas pelas lágrimas que insistia em enxugar, enquanto a outra mão que antes segurava o aparelho, agora segurava a barra da grade da varanda.

O loiro notou quando o rapaz olhara para frente e seu coração bateu em desespero ao pensar que fora notado pelo outro. Em um movimento rápido, virou o rosto fingindo estar atento ao felino no beiral.

Aquele curto espaço de tempo, em que o rosto do outro ficara totalmente exposto para si, foi o suficiente para perceber que a vida alheia não estava na melhor fase e a curiosidade o fez olhar novamente, notando que o moreno já não estava mais lá.

janela indiscretaOnde histórias criam vida. Descubra agora