antes

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ANTES

Eu sou gordo.
Eu não sou “gordinho” ou “cheinho” ou “fofinho”. Eu sou pesado, ocupo
espaço e as pessoas me olham torto na rua. Sei que existem pessoas no
mundo com problemas muito maiores que os meus, mas eu não costumo
pensar no sofrimento dos outros quando estou vivendo meu próprio
sofrimento na escola. O ensino médio tem sido meu inferno particular pelos
últimos dois anos e meio.
Às vezes tenho a impressão de que a lista de apelidos pra gente gorda é
infinita. Claro que isso não quer dizer que essa lista seja criativa, mas fico
impressionado com a quantidade de nomes que os caras da escola conseguem
inventar, quando seria muito mais fácil me chamar apenas de Harry.
Desde que eu quebrei uma cadeira no começo do ano na aula de geografia,
as pessoas cantam Wrecking ball baixinho quando eu passo no corredor.
Duas semanas depois, outro aluno da minha turma também quebrou uma
cadeira. Ninguém canta Miley Cyrus pra ele. Adivinha só? Ele é magro.
Sempre fui gordo, e viver por dezessete anos no mesmo corpo me tornou
um especialista em ignorar os comentários. Não estou dizendo que me
acostumei. Ninguém se acostuma com lembretes diários de que você é uma
bola de demolição. Só me acostumei a fingir que não é comigo.
No ano passado, sem ninguém saber, comprei uma revista adolescente
dessas que vêm com pôster de boyband. Eu gosto de boybands (mais do que
eu tenho coragem de admitir), mas o que me fez comprar a revista foi uma
chamada no cantinho que dizia “Insegurança com o corpo? Fala sério,
amiga!”.
Segundo a revista, um adolescente acima do peso que quer ser descolado e
ter amigos precisa compensar. Basicamente, se você for muito engraçado, ou
muito estiloso, ou muito simpático, ninguém vai notar que você é gordo.
Fiquei um tempo pensando nas minhas compensações. Não encontrei
nenhuma.
Quer dizer, eu me considero um cara engraçado. As pessoas me amam na internet (543 seguidores no Twitter e contando). Mas quando se trata de
socializar na vida real, sou um grande fracassado. Zero no teste de simpatia.
E sobre meu estilo? Ha. Ha. Eu definiria meu estilo como tênis, jeans e uma
camiseta cinza razoavelmente limpa. É difícil ter roupas legais quando você
veste XGG.
Dei uma olhada no resto da revista, fiz o teste “Qual celebridade seria sua
BFF?” (tirei a Taylor Swift) e depois a joguei fora. Não queria guardar na
gaveta uma evidência de que eu não consigo compensar em nada.
Mas hoje tudo vai ser diferente. É o último dia antes das férias de julho e
estou esperando por esse dia desde que as aulas começaram. As férias do
meio do ano duram vinte e dois dias. Em termos gerais, isso significa quase
um mês livre das piadas de gordo, dos apelidos e dos olhares descarados.
Pulo da cama cedo pra não perder a hora, e, quando chego na cozinha,
minha mãe já está acordada, pintando uma tela. Há três anos minha mãe
abandonou seu emprego em um escritório de contabilidade pra se tornar
artista plástica. Há três anos nossa cozinha não se parece com uma cozinha
normal, porque há telas, tinta e argila por toda parte.

— Bom dia, meu anjo — ela me diz com um sorriso impossível pra quem
acordou antes das sete da manhã.

Minha mãe é linda. Sério. Ela tem olhos grandes de desenho animado, um
cabelo ruivo volumoso sempre amarrado no alto da cabeça e um corpo esguio e magro.

Isso significa que antes de ir embora quando descobriu que eu ia
nascer, meu pai fez questão de deixar o metabolismo de gordo na minha
herança genética. Obrigado, pai.

— Bom dia. Tem tinta no queixo. Mas tá linda mesmo assim — eu
respondo com pressa enquanto como um sanduíche de queijo e procuro
minhas chaves.
— Harry, eu não sei se te avisei, mas hoje à tarde o…
— Atrasado. Até mais tarde, te amo, tchau! — eu respondo fechando a
porta atrás de mim.
Na verdade, eu nunca estou atrasado, mas minha ansiedade me faz pensar
que quanto mais cedo eu chegar à escola, mais cedo vou me livrar dela. O
que, infelizmente, não faz sentido algum.
Aperto o botão do elevador mais vezes do que seria necessário enquanto
termino meu sanduíche. E quando a porta do elevador abre, lá está ele. Draco, o vizinho do 57. Engulo em seco o pedaço de pão que ainda está na minha
boca, passo a mão pelo queixo pra garantir que não ficou nenhuma migalha na minha cara e, então, entro no elevador.
Sussurro um “bom dia” tão baixo que nem eu consigo escutar. Ele não
responde. Está com fones de ouvido e concentrado em um livro. Me pergunto
se ele realmente escuta música enquanto lê ou se é do tipo que coloca os
fones pra não ser interrompido. Se a resposta certa for a segunda opção, eu
não culpo o Draco do 57. Porque sempre faço o mesmo.
O elevador leva cerca de quarenta segundos para ir do terceiro andar, onde
eu moro, até o térreo. Aparentemente se passaram quarenta anos quando a
porta se abre novamente. Continuo parado sem saber o que fazer e Draco sai
sem notar que eu estava ali. Espero por três minutos no corredor e, só então,
saio do prédio.

Quinze diasOnde histórias criam vida. Descubra agora