Capítulo 3

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De fato, eles foram para o banheiro e tomaram seus banhos, ainda que no meio do caminho Bora não tenha deixado de provoca-la de vez em quando. A luz do quarto era o suficiente para enxergar, mas não era forte o bastante para perceber tudo. Enquanto passava o sabão pelas costas de Ada, ele analisava todo os detalhes do corpo dela que não pode perceber antes. Ela tinha alguns sinais de nascença próximos à cintura e durante o banho reparou que havia um nas suas costas que lhe chamou a atenção: era muito pequeno, marrom, semelhante a um sinal que algumas pessoas têm próximo aos lábios. Ficava do lado esquerdo, quase no meio das costas dela.

Ada já tinha usado várias roupas que deixavam os seus ombros e a parte de cima das costas à mostra, mas nenhuma delas deixava aquela marca visível. Ele com certeza teria se lembrado desse detalhe se tivesse visto antes. Em um gesto automático de carinho, beijou aquele ponto e ela não entendeu.

- É a primeira vez que estou vendo isso.

- Entendo. Eu mesma não consigo ver nem quando estou sozinha na frente do espelho. Eu só sei que ela existe porque a minha tia contava histórias engraçadas sobre as minhas pintinhas quando eu era criança.

- Sua tia dava nomes pra todas elas? – perguntou em um tom engraçado.

- Às vezes sim. Ela fazia isso quando eu não conseguia dormir ou não queria tomar banho depois de voltar da rua. Sabe, depois que meus pais...

- Sim, eu entendo.

- Eu nunca gostei muito delas, não acho que sejam muito bonitas

- Elas são perfeitas. Dão todo um charme no seu corpo. Aliás, você disse que não consegue ver essa aqui? – Bora perguntou colocando o dedo em cima da marca que ele tinha beijado antes

- É. Já tentei de várias formas. E depois que cresci parei de trocar de roupa na frente das minhas tias...

- A partir de agora, é uma das minhas coisas favoritas em você

- Posso saber o porquê?

- Porque só eu posso vê-la e beijá-la – falou com um sorriso, aproximando-se do pescoço dela para dar um beijo.

Depois que Bora terminou de ajudar Ada, foi a vez dela de ajudá-lo. Nem nos seus sonhos mais loucos – e ela sabia que seus sonhos eram, no mínimo, malucos – ela conseguiria imaginar totalmente como era estar nos braços de Bora em um gesto tão íntimo. Observou cada curva que seus músculos faziam em torno de seus braços e abdômen, conforme passava o sabão e a água escorria pelo corpo dele, Ada passava o dedo indicador como se estivesse segurando um lápis e procurava guardar cada detalhe como se estivesse desenhando uma obra de arte.

Enquanto ele estava de costas para ela, Ada deixou-se transparecer a beleza e a melancolia daquele momento. Aquela foi a hora que ela parou – ainda que por poucos minutos – para refletir a paz de espírito que tudo aquilo trazia. E que as coisas poderiam acabar facilmente por causa do peso das suas mentiras. Ada não podia mais voltar atrás. Já tinha dado entrada no divórcio e estava esperançosa de que conseguiria se livrar de Ruzgar muito em breve, mas sabia que tudo teria um preço muito alto. Sabia que o coração daquele homem se machucaria da mesma forma que aconteceu no passado e tinha convicção de que ela era a culpada disso – pelo menos era assim que Ada se sentia.

Ela não percebeu que a melancolia do seu olhar durou tanto tempo que (depois de sabe-se lá quantos minutos) encontrou Bora encarando-a com um ar calmo, mas cheio de seriedade. Aqueles olhos castanhos poderiam ler a sua alma, mas não o suficiente para saber o que realmente passava na mente dela naquele momento. E Bora percebeu. E ela sabia disso.

Ada começou a olhar todos os detalhes do seu rosto, até chegar em um dos seus lugares favoritos: a pequena e quase imperceptível cicatriz perto do olho direito dele. Aproximou-se ainda mais e começou a acariciar aquela parte do jeito que sempre fazia.

Olhar na varandaOnde histórias criam vida. Descubra agora