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Alguns dias haviam se passado desde o meu inusitado encontro com com o ruivo de olhos dourados. Havia perguntado a Darius quem era ele, se o conhecia, já que tudo o que recebi foi um nome, Lucien, imaginei que pelas suas armas ele poderia ser um sentinela. Darius por sua vez, me contou que ele é o emissário do Grão-Senhor, chegou já faz um bom tempo nas terras, mas é filho do Grão-Senhor da Corte Outonal, me perguntei o que levaria um filho de Grão-Senhor, com todas as suas riquezas e poder na sua corte, sair para virar emissário em outra...

Acabei por esquecer aquele assunto depois que Darius me deu uma bronca, protetor e nervoso, repetiu algumas vezes que havia me avisado que aquilo poderia acontecer, e depois soltou altas risadas quando sentiu, através dos seus dons empáticos todas as emoções que fizeram meu estômago revirar.

O caldeirão deu a nossa família o dom da empatia num nível mais literal, podemos sentir as emoções dos outros apenas com um toque, desvendar a verdade com um olhar, com seus batimentos, uma simples respiração mais pesada ou mais leve, sentir o cheiro e as vibrações dos seus sentimentos ou emoções. Podemos fazer que outros sintam o que queremos também, podemos tranquilizar e trazer paz. Muitos de nos eram usados na guerra em interrogatórios e dar um pouco de conforto para os soldados no momento de sua morte. Não que os comandantes e generais se importassem muito com a paz de seus subordinados, além de sermos extremamente raros agora, nunca conheci nenhum além dos meus primos e meus tios na Corte Primaveril.

É comum hoje haver alguns clãs remanescentes de empatas que buscam alianças e casamentos entre si para que o poder continue fluindo e não suma, simplesmente.

— Nosso estoque de dente-de-leão está quase no fim. — avisei enquanto abria a pequena caixa na despensa da botica. Olhei para meu tio no início da dispensa que anotava tudo em uma folha para controle do estoque.

Meu tio, ao contrário da minha tia, é um homem calmo e sereno, paciente acima de tudo. Sem sombra de dúvidas é o equilíbrio dela, a metade que faltava para que o mundo – nossa família – não entre em colapso.

— Vai para o bosque hoje? — Ele perguntou, seu tom tranquilo se fazia presente sempre que abria a boca.

Eu assenti.

— Então pode pegar uma boa quantidade na colina. — não foi um pedido, eu apenas afirmei mais uma vez.

***

O sol já não estava tão alto quando sai do bosque e comecei a subir a colina a procura do dente de leão. A subida era plana, mas cansativa, árvores salpicadas pelo caminho me davam um apoio maior, a grama um pouco alta fazia cócegas na minha pele por baixo do vestido. Era comum tirar os sapatos, gostava da sensação da grama, terra e folhas sob meus pés, fazendo um pouco de cócegas, o que me fazia rir sozinha vez ou outra.

Finalmente cheguei ao topo plano da colina, o vento forte teria bagunçado meus fios longos e castanhos claros caso não estivesse usando um lenço branco que os segurava no lugar, mas ainda assim a brisa bagunçava  minha franja.

Fechei meus olhos ao respirar profundamente, soltando um riso baixo.

— O que é tão engraçado? Gostaria de rir também. — a voz arrogante soou clara aos meus ouvidos juntamos com o tom de sarcasmo, nem mesmo precisava abrir meus olhos para saber exatamente quem estava ali.

O emissário subserviente do Grão-Senhor.

Abri meus olhos e direcionei um olhar desgostoso na direção da voz, solto um bufo. Cruzei os braços sob o arco da cesta que carregava.

Ele estava diferente de quando o vi na semana passada, nada de roupas enroladas ou cabelo amarrado no alto da cabeça. Não, desta vez ele parecia com o Grão-Feérico  que cavalgava pela aldeia vez ou outra com sentinelas e seu mestre, ele usava um boldrié verde oliva recheado de facas, calças escuras e a espada embargada na lateral do seu corpo, as botas polidas e seus cabelos parcialmente soltos, apenas duas tranças afastavam os fios laterais do seu rosto.

Corte de Ouro e TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora