Prólogo

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Na escuridão da floresta dos segredos, a pequena ratinha de pelo branco, olhos rosados e minúsculas roupas vermelhas, corria o mais rápido que conseguia pelos galhos das grandes árvores. Àquela hora da noite era difícil de saber quais eram os galhos certos para se andar, mas Bell não estava se importando muito com isso. Ela tinha que ver aquela megera serpente, mesmo que a odiasse não poderia negar que ela seria de grande ajuda para resolver o problema atual. E de qualquer maneira teria que ver Calipso, os entregadores não iam até a moradia dela no coração da floresta e ela acabaria por ir, já que, sempre conheceu bem o lugar.

A pequena roedora continuava a correr pelos galhos, se guiando mais pelo seu instinto do que deveria, o véu de sombras se intensificava a cada passo, e a cada passo ela tinha de ser mais cuidadosa. As plantas daquele lugar, os animais, até mesmo o ar era perigoso, tóxico e imprevisível. Subitamente parou de se mexer. Um barulho entre os galhos, na folhagem. Alguma coisa estava observando-a. A pequena logo se lembrou de um dos muitos motivos para nunca vir a esta parte da floresta.

Vermes, pensou em alerta olhando através das sombras, na esperança de conseguir prevenir qualquer ataque vindo do desconhecido. Um sibilar alto foi a única coisa que Bell ouviu antes de ser atingida por algo frio. Ela foi jogada para longe dos galhos, em queda livre para a escuridão. Seu corpo bateu em vários galhos, até que finalmente ela atingisse o chão, já em sua forma humana, com seus cabelos e roupas revirados, um pouco sujos e com arranhões.

— M-maldito. Maldito Mercúrio... —balbuciou com dor, tentando se levantar do chão frio.

A garota que aparentava ter 10 anos, tinha uma pele clara, cabelos brancos curtos e lisos, usava roupas de uma banda militar, vermelhas, uma meia calça com vários rasgos e botas pretas. Seu corpo estava coberto por arranhões e cortes, feitos pelos galhos. Ela levantou vagarosamente, olhando para cima, podendo ver um feixe de luz a metros de distância. Longe da copa das árvores tudo era mais escuro. Algumas plantas e flores espalhadas por ali emitiam uma espécie de luz, até onde sabia todas essas plantas eram venenosas. Estava longe da casa de Calipso, e provavelmente tinha quebrado algum osso, sua costela doía, assim como suas costas. Era como diziam, "o que começa errado quase nunca termina certo".

Olhou em volta e começou a andar, devagar e mancando, mas pelo menos estava em movimento, ficar parada no escuro não parecia a opção racional. Apenas mantinha-se caminhando da melhor forma que conseguia no momento.

—Nunca. Nunca mais concordo em vir sozinha aqui. —Esbravejou incomodada, nunca mais cederia aos pedidos dos entregadores.

Depois de andar por um longo período, a garota possuía uma fria camada de suor envolvendo seu pequeno corpo, era apenas uma mera reação do longo trajeto quando comparada com os vários incômodos musculares que sentia no momento. Ela olhou para frente, vendo a maior e mais alta das árvores daquele lugar, as plantas a cercavam, assim como os vários crânios e ossos destroçados, formando um círculo de morte ao seu redor. O ar daquela região possuía um forte cheiro doce e azedo, provavelmente algo ou, o que outrora fora, alguém estava em decomposição junto ao mofo e limo. Bell sentiu seu estomago embrulhar. Fazia muito tempo desde a última vez que tivera contato com a morte, e infelizmente isso não se prolongou. Porque havia aceitado vir a toca da serpente? Claro, pela estupida entrega e pelo estupido favor. A jovem evitou respirar fundo, já havia começado a se sentir tonta e febril, as toxinas do ar estavam se manifestando.

—C-ca.... –se concentrou e parou de falar. Se viu obrigada a inalar um pouco mais daquele veneno, tossindo por alguns momentos. — CALIPSO! CALIP... –de repente a sua visão se tornara borrada, aos poucos se esvaindo juntamente com suas forças.

O último ruído que ouvira antes de desmaiar fora outro sibilar, agora muito mais estridente, de uma colossal serpente, a poucos centímetros de si.

De imediato, ao despertar, sentiu uma enorme dor e moleza por todo o seu corpo. Se encontrou deitada em uma pequena cama, que lembrava uma maca. Estava em uma enorme sala circular, suas paredes eram feitas de madeira e continham diversos detalhes e escritas douradas, as quais não compreendia, aparentemente feitas de ouro. Os moveis eram feitos de madeira maciça, haviam várias prateleiras repletas de cristais brilhosos ou moídos, plantas, livros, itens antigos, algumas coisas em conserva, como olhos. Tinha a leve impressão de que eles estavam encarando-a. Mas isso não era importante no momento, conhecia aquele lugar de clima morno, aquela era a casa de Calipso. E falando no diabo, a própria estava longe, de costas para si, mexendo em algo que emitia um intenso brilho azul, que fazia a iluminação do local parecer fraca. Bell apenas respirou fundo, tentando se sentar naquela cama sem emitir nenhum som, mas bem no começo dessa ação ela percebeu que era um erro, seu corpo doeu mais e lhe traiu, fazendo com que as suas costas encostassem contra o colchão com uma força avassaladora para si, que sentiu algo estalando. Esse processo todo não fez apenas um barulho alto como também fez a pequena soltar um som anasalado de dor, sem dúvidas ela tinha quebrado mais do que um osso isolado na queda.

A garota tentou olhar novamente na direção em que tivera visto a dona da casa, mas ela não estava mais naquela área. Agora podia ver que aquele balcão tinha tubos de ensaio, frascos, garrafas e algumas plantas com aparência viva, até demais, se levasse em conta que estavam sem nutrientes e água. Bell sentiu seu corpo ficar mais tenso ao perceber que se não via ela....

— Fiquei me perguntando por quanto tempo você continuaria a dormir. – Disse a mulher de pele negra, olhos amarelos reluzentes e cabelos castanhos escuros separados em diversas tranças. — Como se sente, floco de neve? –Falou irônica, parecendo se divertir em observar a garota ao lado daquela cama.

Bell poderia ter pulado e caído rumo ao chão com tamanho susto que tomou ao ver a dona do longo vestido negro e liso, que estava ao seu lado, mas ela não tinha forças para isso. Então ela apenas encarou a morena com um semblante assustado, vendo-a esboçar um sorriso divertido com sua reação anterior.

— P-po... porque. Porque você sempre faz isso?! –Se pronunciou com um misto de medo e raiva, analisando a víbora, sem ousar tentar se levantar daquele colchão. Ela podia sentir as batidas agitadas do seu coração se acalmando.

A dos olhos dourados emitiu um sibilar baixo com sua atenção totalmente voltada a de cabelos brancos.

— Quer mesmo saber? –Perguntou, mudando sua expressão de forma drástica, agora com semblante sério no rosto, ainda fitando a pequena com atenção, como se procurasse algo. — E foi você quem veio até o meu território, eu poderia ter te devorado assim que apareceu, mas mesmo assim curei seus ferimentos. A pergunta aqui é porque veio até mim, ratinha? –Disse enquanto se aproximava mais daquele colchão, sem romper o contato visual com a garota por nenhum instante. Seu corpo estava quase sobre o da jovem, que a olhava assustada.

— Eu. Eu vim porque precisamos adiantar o eclipse, vários quartos precisam de suprimentos novos, e uma reunião só aconteceria se os membros mais velhos se reunissem. Quero. Quero que você se junte a mim para obrigamos Arcan a fazer isso. – disse seria, contendo o máximo que conseguiu do seu medo, encarava a morena na espera de qualquer movimento brusco da mesma.

A morena pareceu pensar no que acabara de ouvir, assim gerando uma troca de olhares silenciosos e desconfortáveis, no mínimo sufocantes. De repente ela começou a rir, como se tivesse ouvido uma ótima piada, deixando a menor um tanto quanto perdida, até o momento em que disse:

— Pelos astros, porque eu faria algo assim? –Olhou novamente para a garota de cabelos brancos.— Os meus protegidos nunca ganham um real benefício com os eclipses e você, assim como todos os outros, sabe muito bem disso. Não vejo utilidade nesse adiantamento, a menos que você me diga um bom motivo, minha querida. –Assim que terminou de falar, passou levemente as unhas pintadas de dourado, elas possuíam um formato afiado como lâminas, pela bochecha da garota.

— Porque ela vai estar lá. –A menor disse ríspida, pela primeira vez não repetindo a primeira palavra de suas frases.

Ela ficou encarando a serpente que paralisou assim que a ouviu, mas logo em seguida deu um sorriso ladino, claramente satisfeita.

— Porque não disse antes pequena? Será um prazer ajuda-la! –Falou animada, se levantando e indo até um dos balcões e pegando dois frascos.

–... Isso é? –a pequena sussurrou incrédula enquanto forçava seus olhos cansados.

A serpente apenas sorriu.

–É um brinde a nossa bandeira branca. 

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