Peixão e romance?

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Jin desligou o telefone e tentou ignorar a luz vermelha que piscava furiosamente na base do aparelho, informando que havia pelo menos uma mensagem esperando por ele.

Isso pode esperar, Jin disse para si mesmo, embora achasse quase impossível ignorar algo do tipo, adiar qualquer coisa pelo menor tempo que fosse. Para ele, a vida era uma lista de “coisas a fazer” esperando para ser riscada, item a item, e ele se orgulhava de lidar sempre de maneira rápida e eficaz com essa lista. Marido? Feito. Uma bela casa? Feito. Emprego interessante e satisfatório? Feito. Ou pelo menos na maior parte do tempo.

Ainda assim ele aceitava o fato de que às vezes era necessário ignorar a luzinha vermelha piscando. Às vezes Jin precisava provar para si mesmo que era capaz de ignorá-lo. E de qualquer forma, naquele momento, ele queria uma xícara de chá.

Jin trabalhava no departamento jurídico de um grande laboratório farmacêutico, decidindo quais afirmações e slogans publicitários seriam aceitáveis para a companhia e quais não. “Alívio rápido e eficaz da dor” era razoável; “O fim da dor”, não. Mesmo se a equipe de marketing achasse que esse era o melhor slogan que jamais havia sido bolado. Ele era cientista por formação mas tivera um flerte com o marketing, e seu chefe prometera que esse emprego seria o melhor de dois mundos para ele, fazer a ponte entre branding e ciência. Na realidade, ele acabava servindo mais como um bode expiatório para ambos os lados, o foco de toda a raiva direcionado ao lado oposto, Ele não se importava. Conseguia lidar com aquilo, afinal. Por ser uma pessoa prática, Jin não deixava as coisas lhe atingirem. Era pragmático. Namjoon muitas vezes fazia comentários sobre a personalidade histriônica dos namorados e mulheres dos amigos, que quebravam pratos por causa de coisas mínimas, reagindo com exagero e se chateando por ninharias — e dizia que ficava muito feliz que ele não fosse assim. Que tinha muita sorte de que o “seu Jin” fosse tão pé no chão e razoável.

Lentamente ele se levantou e foi até a cozinha comunitária do escritório. Estivera de ótimo humor naquela manhã — Não saíra com clientes na noite anterior mas havia voltado antes da meia-noite, o que era bastante cedo. Ele inclusive o beijara ao se levantar para o trabalho, às cinco da manhã, lembrando-se também de fechar a porta do quarto para que o ruído do chuveiro não o acordasse.

Então, como se o próprio deus da boa sorte estivesse olhando benevolentemente para ele, o trem chegara na hora; ele até conseguiu um lugar para se sentar. E, em parte uma pequena discussão sobre o texto para um anúncio de adesivos de nicotina, as coisas no trabalho também pareciam estar correndo bem. Ninguém ligara dizendo que estava doente, e tampouco seu gerente aparecera na sua porta com uma expressão de dor no rosto, o que sempre acontecia quando ele era cobrado pelo gerente dele porque uma decisão tomada por Jin não fora a decisão que queriam que ele tomasse. Não — de modo geral, aquele dia correra bem.

Então por que estava com uma sensação de calafrio no estômago? ele se perguntava enquanto colocava metodicamente um saquinho de chá na xícara e punha a água para ferver. Por que um vinco de preocupação estava se insinuando na sua testa e sentimentos de irritação — normalmente reservados para tarde da noite, quando Namjoon não voltava para casa na hora prometida — penetravam na sua consciência?

Não havia razão para isso, disse para si mesmo. O que significava que ele estava imaginando coisas. O que significava que, se ignorasse essas coisas, elas desapareceriam. Jin não tinha tempo para sentimentos que não estivessem relacionados a acontecimentos, nem para humores sem fundamento. Ele aceitava o fato de que uma vez por mês seus hormônios, ainda que não fossem acontecimentos propriamente ditos, podiam ocasionar desequilíbrios químicos que o faziam se sentir perturbado, mas não tinha paciência para mal-estares genéricos — seus ou de outrem. Você escolhe o próprio humor, ele sempre dizia para quem quisesse ouvir. E também: a minha sorte sou eu que faço.

Manual para românticos incorrigíveis.Onde histórias criam vida. Descubra agora