A neblina envolvia a trilha de outono, uma chuva leve deixava as folhas que cobriam os pés das árvores, com uma camada quase espelhada do céu.
Os passos de Alíta quebravam as folhas alaranjadas, seus estalos ecoavam no silêncio da floresta ao seu redor.
Tão fria como suas mãos nesse início de manhã, a luz do sol começa a deitar sobre os túmulos do cemitério que ficava no meio da trilha, ao longe, reluz prateado como o brilho da lua, o leito da mulher de dedos roxos que escapavam no vão da tampa do túmulo.
Alíta se aproxima serena, com a guerra viu tantas mortes, tantas cenas terríveis, que um cadáver não a aterroriza.
Seres imortais tentavam um tratado de paz com o povo daquele reino, alguns moradores foram vistos como traidores ao apoiar um acordo, estes construíram casas que seguiam a trilha, e se afastaram das ordens do rei impiedoso.
No fim da trilha, havia uma mansão antiga, paredes de pedra bege, marcadas com o verde do musgo que abraçava a construção, telhados pontiagudos e janelas fechadas com cortina rubra.
Diziam, morar naquele local, um Conde da raça dos imortais, que contra seu próprio grupo, decidiu provar aos moradores que poderiam conviver.
Os rebeldes, podemos chamar assim os que foram contra o rei, nunca o viram de perto, mas juram ver o vulto de capa preta percorrer a trilha durante a lua de sangue.
No reino, era proibido andar naquele caminho principalmente a noite, acreditavam que se fossem, o Conde iria caçar, secando o sangue de suas vítimas, reduzindo sua vida a lembranças.
Alíta não tinha medo, ela só não saiu do reino pois tinha sua criação de ovelhas.
Ao passar no túmulo, seus dedos percorrem as gotas que se acumulavam no mármore cinza.- Pobre alma, em vida era doce mulher, agora em morte, serve de lar para larvas. Descanse, garanto estar em um lugar melhor.
Alíta sussurra enquanto tira algumas folhas que caíram na tampa.
Uma sensação arrepiante percorre seu corpo, no exato momento que retira a ultima folha. Sua expressão muda, de tristeza à confusão, estava sozinha, ninguém viria em dia da lua de sangue, porém sentia a presença intensa de alguém a observando.
Logo seu corpo paralisa com receio de olhar para trás.- Jeito grosseiro de se dirigir a um cadáver, não acha?
Uma voz forte fez seu coração pulsar descompassado, sem se virar, Alíta desce suas mãos ao lado do corpo, abaixa a cabeça e com voz calma responde.
- Não sei, senhor, talvez tenha que perguntar a morta.
O homem ri da ousadia da dama de vestido longo e rubro.
- Vejo que medo não tens, o que mais não tem, senhorita?
A voz diz se aproximando dos ouvidos de Alíta.
- Tempo para suas brincadeiras. O que faz na trilha logo na lua de sangue?
Alíta levanta o rosto respirando fundo.
- A senhorita não tem curiosidade além de meu motivo de estar aqui? Não se virou para ver meu rosto, apenas escuta minha voz sem dar qualquer indício de medo...
A voz estava tão perto, que ela consegue sentir a gélida respiração do homem, dançando entre os fios de seu cabelo castanho, que caiam no ombro de seu vestido.
- Se o senhor desejasse me juntar ao cadáver, já o teria feito, ou posso dizer que tens o desejo sádico de ver o medo em sua presa, e por isso o desapontei.
O homem ri de forma alegre, Alíta não entende a reação, mas quando pensa em virar para o olhar, ele já está em sua frente, tão próximo de seu rosto que ela pode sentir o cabelo longo e preto dele, acariciar seus lábios com a brisa da chuva.
- Seu vestido combina com minhas cortinas.
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Trilha de outono
RomanceUma guerra entre um rei impiedoso e seres imortais divide o povo. Um amor puro será capaz de ir contra o ódio e o medo?!