1933
A casa estava em polvorosa com a preparação para o jantar.
Do meu quarto, eu podia ouvir o tilintar dos talheres de prata sendo arrumados na mesa, os carros com aperitivos sendo organizados na entrada e as vozes dos empregados tentando deixar tudo pronto antes da hora.
Ainda que eu fosse a patroa deles, era de dona Helena Aguiar que tinham medo. Da cobrança dela pelas louças impecavelmente limpas e sem manchas. Dos olhares enviesados para roupas amassadas.
Uma bronca de minha mãe não era a demissão deles, porque nem eu nem Alberto colocaríamos ninguém na rua por um motivo tão torpe, mas deixava qualquer um deles com nervos aflorados.
Enquanto me arrumava em frente ao espelho, tomando cuidado de deixar meus cabelos com os cachos na altura certa, percebi que não eram só os empregados que tinham uma certa necessidade de serem perfeitos para a baronesa.
Mas no meu caso, era apenas para provar que eu podia dar conta de tudo aquilo sozinha. Do meu palacete em Higienópolis, dos cinco empregados, de manter o meu marido impecável, embora Albe não desse a mínima para isso.
Não queria minha mãe achando que, depois de três anos de casada, eu precisaria da orientação dela para continuar casada. Ou para dar ordens para quem trabalhava comigo.
Tudo bem que eu era péssima dando ordens a eles. Até mesmo Albe dizia que eu era uma patroa permissiva demais. Ainda assim, eu gostava de como os tratava, e gostava que eles se sentissem à vontade comigo.
Uma leve batida na porta me despertou dos pensamentos bobos e Albe colocou a cabeça para dentro com um sorriso no rosto.
Estava impecável em seu paletó cinza e a gravata vinho. Os cabelos penteados para trás, como o pai dele gostava, e o cheiro bom do perfume francês que meu cunhado, Pedro, insistia em enviar todos os anos.
Não podia reclamar daquilo. Adorava como o cheiro combinava com a pele de Albe.
— Você está belíssima! — Ele veio em minha direção e abriu os braços. Levantei-me indo até ele e me jogando em seu corpo quente e acolhedor. Albe me abraçou firme, ficando mais tempo naquilo do que normalmente ficava, alisando de leve minhas costas por cima do vestido do algodão em um gesto carinhoso. — Se você quiser, cancelo tudo agora. Mando todo mundo embora sem nem pensar muito. Sei o quanto detesta esses jantares.
Sorri encostada de lado em seu ombro, para não manchar a roupa com o batom.
Cada ano que passava, eu conseguia amar Alberto ainda mais. E jamais imaginei que aquilo fosse possível.
— E dar o gostinho de sua mãe, ou a minha, dizer que sou uma péssima esposa, que cancelo compromissos em cima da hora? De jeito nenhum! Se elas acham que podem me diminuir por conta de uma ou duas crianças que ainda não chegaram, estão redondamente enganadas.
Soltei-me de Alberto e fui conferir novamente minha imagem no espelho, ajustando o cinto do vestido. Quase sentia saudade das roupas leves e folgadas de alguns anos atrás. Era tão mais fácil me vestir e conseguir respirar nelas.
Senti aquela gastura na nuca, de quando a gente percebe que está sendo observada. Era Albe em minhas costas tentando avaliar meu estado de espírito para enfrentar aquilo. Já deveria estar acostumada com aqueles jantares, mas era fato que eu nunca me costumava. Não nos momentos em que todos os meus defeitos eram colocados à mesa como se estivesse sendo avaliada, se deveria ir para o abate ou se seria salva por mais alguns dias.
— Por favor, nem comece — implorei e ele soltou um suspiro, fitando-me com preocupação.
— Você não precisa passar por isso. — Lembrou o mesmo que falava todas as vezes. Mas era só um modo de falar. Até Alberto sabia que eu precisava passar por aquilo. Estava no bojo de ser casada com ele.
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Outono em Chamas [Degustação]
Ficción históricaJoana se casou com o melhor amigo para salvar a família da ruína. Acreditou que estava fazendo a única escolha que poderia. E enquanto se esforça para ser uma boa esposa e ainda manter seu brado como feminista, seu coração continua batendo por outro...