Sou Noeli e fui condenada por unanimidade na Corte Suprema por matar um homem. Aceitei, pois, tenho consciência do que fiz e sei que matar é errado. Tanto na lei dos homens como na lei divina.
Não tenho uma religião, mas ainda acredito em Deus, Ele sabe o que deve ser melhor para todos, não é mesmo?
Portanto, diariamente aqui nessa cela isolada rezo para que Ele determine o que é melhor para mim, mas às vezes me pego questionando se realmente o que Ele fará por mim, será o que acredito ser melhor para mim. Apenas espero que Ele me escute.
Mais um dia no inferno, as luzes acendem rotineiramente no mesmo horário, sete da manhã, me levanto, me posiciono na parede contraria a porta do meu quarto — gosto de chamá-lo assim —, para a inspeção matinal.
Minha amiga Rose é a responsável da manhã por essa tarefa completamente desumana, ela é policial penal há 20 anos e nesses anos a principal função dela é revirar celas dos condenados à morte. Ela é uma pessoa legal, talvez a única que ainda nos trate como humanos, sei que tem algumas aqui que nem merecem esse tratamento, pois deixaram de ser humanas há anos, mas sou grata por ter uma Rose aqui.
— Dormiu bem, Noeli? — ela me pergunta enquanto levanta tudo na minha cama, revistando o colchão e travesseiro.
Ah! Claro, esqueci de contar que enquanto Rose faz o seu trabalho o brutamontes do John fica na porta acompanhando, garantindo a integridade física dela.
— Sim, Rose, obrigada pelo travesseiro, agradeça a sua filha! Adorei o bordado nas pontas.
Ter travesseiro nesse setor da penitenciária era um privilégio, e a filha de Rose fez questão de me dar um caríssimo, e ainda bordou a fronha com as minhas iniciais.
Confesso que quando recebi esse presente fiquei emocionada pela primeira vez aqui. Fazia 19 meses que não sabia o que era chorar, já estava me questionando se realmente era aquele monstro que me pintaram há 8 meses.
— Imagina, Noeli, sabe como Sarah adora você e suas histórias... Mais tarde passo aqui antes de acabar meu plantão e trate de comer, li no seu relatório que tem dois dias que não come direito.
— Sim, senhora. — respondo com humor.
Ela sai da cela sorrindo para mim, enquanto John acena dando tchau, acredito ser a detenta mais tranquila daqui, já a minha vizinha, cujo nome desconheço, sempre dá trabalho para os dois, está sempre tentando fugir, fabricar alguma arma com as coisas na cela dela.
Por isso brinco que sou privilegiada, tenho colchão, lençóis, travesseiro, toalha... já a vizinha apenas o espaço metálico para dormir sem nada, evitando assim que ela invente coisas mirabolantes.
Já aconteceu dela tentar enforcar a Rose com o lençol, mas John foi rápido, e conseguiu impedir.
Vocês devem estar se perguntando por que eu e minha carcereira ficamos tão próximas né? Pois, vou lhes contar...
Ela me conhecia antes daqui, vivia no mesmo bairro que eu e estava em casa no dia que cometi o maior erro da minha vida. Talvez ela seja a única pessoa que saiba exatamente o que aconteceu, porém, a proibi de depor a meu favor, somos da área pobre da cidade, nenhum agente do judiciário ou polícia acreditariam na minha versão, apenas aceitei o que viria pela frente e aceito até os presentes dias.
Sempre fui boa em inventar histórias e por diversas vezes cuidei de Sarah para Rose trabalhar no plantão da noite, hoje em dia Sarah se tornou escritora e diz que minhas histórias são perfeitas para a inspiração dela. Adoro lê-las, não sei passar para o papel o que tem aqui, então ela escreve, e parte dos ganhos que viriam para mim, pedi que colocasse na poupança para o meu filho.
Ela é tão honesta que me coloca como inspiração nos livros e repassa parte do que ganha nas vendas, foi muito bem-educada pela Rose.
Chega a hora do almoço e hoje tenho permissão de almoçar no refeitório, não é sempre que posso almoçar aqui misturada com as outras, depende de como elas estão se comportando, se fosse só por mim, seria todo dia, mas as outras detentas precisam estar "calmas".
Pensam que não sei, mas sei que para deixá-las calmas, as passam pelo psiquiatra, onde ele prescreve remédios fortíssimos, deixando-as zonzas e sonolentas, as impedindo de se rebelar.
Sabendo disso, nunca me rebelei, mesmo tendo vontade muitas vezes, nessa parte do presídio, somente mulheres podem se aproximar de nós, porém, de madrugada escuto gemidos em algumas celas próximas e sei também quando alguns guardas externos entram, pois, os vejo passando.
Também sei que eles se aproveitam das rebeladas dopadas, já tentei denunciar uma vez, mas quase fui mandada ao psiquiatra, precisei suplicar e me comprometer em ser comportada, desde então, me calo para tudo o que vejo de errado e assim sigo essa vida de merda aqui.
Minha sentença foi de morte, por cadeira elétrica, meu defensor público queria recorrer para reduzir a pena, sob alegação de que tenho um filho para criar, mas sinceramente não tenho muitas forças para isso. Deixei que ele fizesse o que achava correto, mas a minha única exigência era que modificassem a forma de morte para injeção letal.
Incrivelmente os dias que passam consigo fazer minhas refeições sempre no refeitório, o custo disso é alto para as outras detentas, mas eu não tenho culpa delas serem burras e não perceberem que quanto mais reclamam mais as dopam contra a vontade delas.
Hoje Rose disse que irá me gravar para mais inspiração para os livros de Sarah, porém, o pedido dela foi inusitado. Ela quer que eu fale dos meus sentimentos aqui dentro até a data da minha execução. Não sei o que pensar sobre isso, talvez seja bom, afinal, só assim meu filho saberá a verdade. Por isso, concordei, e a partir de amanhã realizaremos os encontros diários ao final do seu plantão.
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O último suspiro (Degustação)
ContoRelato dos últimos dias de uma condenada ao corredor da morte, todos os sentimentos reprimidos para não demonstrar fraqueza, a cela isolada, falta de contato humano prolongado e ainda o questionamento se ela deveria ter cometido o assassinato que a...