PARTE II - COSTURANDO OS PEDAÇOS

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Leah Kim está em pé no canto do meu quarto. Seus braços estão cruzados na frente do corpo, e alguns fios de seus cabelos caem na frente dos seus olhos. Ela chorou, percebo como seus olhos não só estão marejados como úmidos também. Estreito um pouco os olhos e vejo a pintinha que ela tem no canto do olho, como se o delineado tivesse borrado e feito aquela pintinha ali, mas aquela pintinha era dela. Apenas dela.
– O concurso é daqui três dias. – Eu digo.
– Sim. – Leah responde.
Eu me sento no chão e ela continua em pé. Ela não fala sobre a bagunça do meu quarto mas ela também não deixa de olhar em volta.
– Não está muito diferente desde a última vez que eu estive aqui.
Sinto uma fisgada na barriga e minha respiração para por um segundo. A última vez que Leah estivera ali fazia quase um ano. Foi antes de a gente entrar no último ano do ensino médio, parece que ela saiu por aquelas portas decidida a nunca mais pisar ali, ou lembrar daquela noite em questão.
– Eu continuo costurando... – Eu falo, em uma respiração só.
Desdobro o tecido que Leah entregou na porta, e percebo as manchas de tintas e alguns rasgos. Eu solto a respiração, pensando no milagre que vou precisar fazer naquela fantasia.
– Acha que consegue consertar? – Leah me pergunta.
– Você mesma fez?
– Sim, minha mãe me ajudou em algumas partes.
Eu olho pra ela e de repente sua expressão muda.
– Não está tão boa como qualquer fantasia que você faria mas, eu não costuro como você e...
– Não, na verdade está muito boa. – Eu puxo uma fita do vestido e o tecido se desfaz. – O que aconteceu?
O corpo de Leah fica tenso por um momento, e ela vira os olhos em outra direção.
– Brad. Ele disse que era fantasia de vadia, então limpou as mãos de graxa na roupa inteira e rasgou também.
– Graxa?
Leah assente e se aproxima, sentando ao meu lado. – Ele trabalha consertando carros com o pai dele, e eu fui lá depois do almoço mostrar minha fantasia pra ele e ele não gostou muito.
Eu passo os dedos no decote fino e algumas pedrinhas caem.
– Julieta.
Leah funga e solta um sorrisinho.
– Uma imitação barata, eu sei mas eu gosto muito do filme e eu queria me sentir como uma pessoa trágica no meu último concurso. Seria quase ganhar como eu mesma.
Eu acompanho o sorrisinho dela e suspiro, embolando todo o tecido.
– Não acho que você seja uma pessoa trágica. – Eu digo baixinho.
– Você sabe que eu sou, Nabby. Só é gentil demais para dizer isso em voz alta.
Ela percebe que eu embolei todo o vestido e me olha com os olhos tristes.
– Não tem conserto, né?
– Não, acho que não. Não com todas essas manchas.
Ela encolhe os ombros e me encara.
– Eu vim até aqui porque achei que era a única que poderia me ajudar. Meu coração martela no peito, eu precisava de uma explicação lógica para que Leah Kim tenha batido na minha porta. Não que voltaríamos a ser amigas, ou começassemos a nos falar na escola, longe disso. Mas ela confiava em mim e no meu trabalho, e isso significava muito pra mim.
– Se levante.
Seus olhos são desconfiados mas ela faz o que eu digo e se levanta. Eu me levanto em seguida e ando pelo quarto procurando minha fita métrica. Quando eu acho, volto a ficar de frente pra Leah.
– Eu vou costurar algo novo.
Quando eu me aproximo para começar a tirar as medidas dela, Leah segura meu braço me fazendo parar.
– Isso é contra as regras do concurso.
– Então vamos quebrar uma regra que só eu e você vai saber que foi quebrada.
– Não precisa fazer isso.
– Eu quero. Eu quero costurar e quero que alguém use algo meu naquele palco, e que ganhe usando uma criação minha. – Olho dentro dos olhos dela e por um momento acho que vou me enroscar nas palavras e tropeçar. – Eu preciso de você e você precisa de mim, é uma troca justa.
– Sim, é uma troca justa.

Leah Kim concorda comigo.

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Quando eu termino de tirar suas medidas, percebo que meu corpo todo está quente. Leah me olha com curiosidade e se senta em minha cama, tocando a colcha com a ponta dos dedos. Sempre achei as unhas dela bonitas. Eram redondinhas e parecia sempre que estavam pintadas mas, nunca estavam só eram limpas demais.
– Você ainda quer ir de Julieta? – Eu pergunto, de costas enquanto começo a procurar os rolos de tecidos.
– Sim, eu pensei em outras fantasias mas não pareceram muito boas para eu encerrar meu último ano.
– Já sabe para qual faculdade quer ir? Eu me viro segurando dois rolos de tecido branco e Leah me encara.
– Eu te ajudo.
– Não precisa. – Eu digo.
Mas ela já está se levantando, e nos perdemos em uma bagunça de mãos e tecidos e acabamos nos chocando e caindo no chão com os tecidos espalhados em cima da gente.
– Você está bem? – Eu pergunto.
Leah me olha, os olhos brilhando e então ela começa a sorrir e logo em seguida gargalhar. Ela gargalha tanto que seus olhos lacrimejam e então ela começa a chorar. Eu não sei como reagir mas por puro instinto eu me aproximo dela, tirando os tecidos do meio do caminho. Quando eu a abraço, ela se mantém imóvel enquanto chora baixinho.
– Me desculpa, Nabby.
– São só alguns tecidos, não tem problema.
Ela me empurra com gentileza e me olha, inclinando a cabeça.
– Me desculpa.
Percebo que ela não está falando dos tecidos, ela está pedindo desculpa sobre tudo. Quero perguntar porque agora? Porque ela teve que precisar de mim pra só assim me pedir desculpa. Eu sinto vontade de sair correndo do meu próprio quarto, desde que eu fique longe de Leah Kim e daquelas palavras que eu sempre quis ouvir. Eu não respondo nada, e ela continua me olhando. Quando percebe que eu não vou responder ela se levanta e começa a caminhar em direção a saída.
– Te espero amanhã no mesmo horário, vou começar pela saia. – Eu digo, minha voz saindo rouca.
– Ok.
É so o que ela diz antes de sair pela porta. Fico olhando pela minha janela, a noite começando a cair devagarinho. A luz na janela vizinha se acende e eu seguro minha respiração. Espero Leah Kim aparecer em sua janela mas após alguns segundos, a luz volta a se apagar.

Entre costuras & abóborasOnde histórias criam vida. Descubra agora