TRÊS: garotos mimados ou tímidos

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#OlhosDeCamomila

8.10.2018.

Ele veio por uma rua velha, de casinhas mofadas e árvores de troncos enrugadíssimos. Era desbotada, quase pálida, de uma ponta à outra: carros em decomposição, pinturas pós Copa do Mundo apagadas no asfalto e o próprio Jimin, de mochila nos ombros e sono nos olhos.

Cinco horas da manhã era, aparentemente, um horário tão solitário em São Paulo e uma conclusão meio distraída acabou esbarrando em Jimin: cinco horas da manhã era, aparentemente, seu horário favorito em São Paulo. E era tão cedo que o sol nem veio, nem trouxe a sombra comprida e magricela de Jimin para acompanhá-lo na calçada.

Ele veio por lá sozinho, tropeçando nas calçadas rompidas, ignorado pelo céu preto e pelas casas adormecidas.

Até bocejou entre um tropeço e outro. Bocejou várias vezes, feito um disco arranhado, com um olho aberto e o outro fechado. Tinha dormido mal — um bocadinho só —, pulando de sonho em sonho, como quem troca de canal em uma televisão chiada. E, aliás, sonhos eram um incômodo para Jimin: sempre tão agitados e incontroláveis, era quase como se ele estivesse acordado, assistindo a vida de outro alguém passar, sem controle.

O sono já começou errado para Jimin: algo aconteceu e Hoseok não ficou lá, pendurado na cama e olhando para ele, como sempre faz. (Jimin já sabe, todos já sabem: Hoseok gosta de assisti-lo fingir que vive).

Ele adormeceu assim que Hoseok entrou no quarto, às duas da manhã, e acordou assim que ele saiu pela janela de volta, às duas e cinquenta.

O quarto ficou cheirando à fumaça, feito um trem movido à carvão, e Jimin temeu que o outro partisse, feito um trem movido à carvão.

— Hoseok? — chamou, meio inconsciente: — Tá fumando agora? O que houve?

— Sei lá, cara — respondeu, meio seco: — Saudade de casa, eu acho. Da minha vó também.

— Vem cá. Deita aqui — e foi um convite trêmulo.

— Estou fedendo. Por causa da porra do cigarro.

— O quarto também. Vem logo.

Hoseok, tão pesado e rígido, quase pareceu uma âncora no centro de seu peito. Jimin apertou-o, aterrorizado, uma mão na nuca úmida e uma mão nas costas quentíssimas: — Você veio mesmo. Está doente, Seok-ah?

Ele afundou sob os braços alheios, resmungando, suado e febril. Jimin tinha pele macia, de algodão ou lã — algo confortável e gostoso —, e cheirosa. Hoseok remexeu-se um pouco, como quem ajeita-se sob a coberta à beira do sono: — Quero a minha mãe, Jimin.

Óbvio: Jimin ficou estático, alerta e dolorido, até a cama ficar molhada de suor por baixo da pele fria e Hoseok tremer menos dentro da pele quente. Ele era tão difícil de segurar: sentiu-se ninando uma onça no colo, como quem pode devorá-lo tão de repente. Hoseok era tão difícil de segurar: sentiu-se abraçando uma catástrofe, algo selvagem e letal, à beira da morte por escolha própria. Ele era tão, mas tão difícil de segurar: então, sentiu-se tão, mas tão assustado.

O coração de Hoseok não batia como deveria: parecia tão oco por dentro.

O coração de Hoseok deveria ser uma escola de samba, só que tinha feito silêncio, como carnaval em uma cidade fantasma.

O coração de Hoseok tinha tagarelado a noite toda, chamando pela mãe ou pela avó lá fora, no Rio de Janeiro.

Jimin saiu, de peito pesado e cabeça barulhenta, com uma feição de pânico pendurada na face e Hoseok ficou lá, deitado morno sob uma toalha fria, com um beijo fresco e trêmulo no canto da testa. Dedos ficaram marcados nas bochechas finas; Jimin, alarmado demais, tinha segurado-lhe com força demais.

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