E Eu Mentirei De Novo Para Você

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"Volte para mim."

Não era a primeira vez que Bernardo ouvia essa frase. Ela revirava seu estômago, fazia sua cabeça girar e seus sentimentos entrarem em conflito – mesmo que, no final, ele cedesse ao seu orgulho e o ignorasse. Não valia a pena discutir.

Foi muito ingênuo de sua parte, aceitando o pedido para o baile beneficente crendo que poderia se divertir em paz. Não conseguiu nem mesmo ficar muito tempo no salão de festas, preferindo ficar no corredor do terrário, sentado em uma das poltronas de couro elegantes perto da janela. A visão das árvores do famoso Tropical Garden quase não eram discernidas a essa hora, o vento marítimo criando uma melodia única com as folhas delas.

"São Bernardo." Deu um pulo de sua cadeira, olhos arregalados e coração acelerado, apenas para relaxar ao ver a figura de Ribeirão Pires. O homem se sentou na poltrona ao lado da sua, soltando alguns botões de seu terno para se acomodar.

"Roberto, há quanto tempo." Ele abriu um pequeno sorriso, tirando um maço de cigarros que o bernardense aceitou de pronto. "Como estão as coisas?"

"Caetano ficou com as crianças. Ele está arrasado agora que foi rebaixado de novo." Viu como a rara expressão do outro se contorceu em uma irritação, sentimento que ele mesmo compartilhava (e o deixava de coração quebrado). "Não sei quanto tempo vou aguentar."

E permaneceram em um silêncio companheiro, olhando para as grandes janelas de vidro. Um tempo depois, Mogi, na companhia de Itanhaém levaram Ribeirão com eles para o bar do lado de fora enquanto São Bernardo seguiu a passos calmos na direção contrária para dentro do salão de jogos, seus olhos seguindo desinteressados pelas fichas, cartas e roletas.

Seus pés pararam ao lado da mesa de pôquer, memórias de quando um certo alguém, animado com os ensinamentos dos ingleses, o ensinou o jogo de cartas. Um sorriso nostálgico iluminou seu rosto antes de ser reprimido.

"O senhor deseja participar?" O crupiê o olhou em expectativa, os três cavalheiros na mesa não prestando atenção em sua figura.

"Acho que vou aceitar uma rodada." Agradeceu, sentando à esquerda do carteador, as fichas de madrepérola já separadas em seu bolso direito.

Mas novamente, foi muito ingênuo ao pensar que não haveria problemas em ir aquele evento. O som da cadeira ao seu lado foi arrastada, e apenas pelo cheiro do perfume importado suas pernas amoleceram.

"Está tudo bem se eu me juntar a essa partida também? Sim? Oh, muito obrigado!" A voz animada e gentil de André fez seu rosto se retorcer em uma careta parecida a de Roberto alguns momentos atrás. "Boa noite a todos, e um bom jogo para nós." Cumprimentou e foi cumprimentado de volta. "Estou falando contigo também, Bernardo. Não seja mau educado."

"Vamos começar logo com isso." Apressou o funcionário, ignorando a risadinha melódica e o dono dela ao seu lado.

Logo na primeira rodada, houve um empate e o prêmio foi compartilhado pelas duas cidades. Algumas mesas mais a frente, São Vicente deu um pulo da cadeira, batendo palmas para si mesmo antes de voltar a se sentar, pedindo por outra partida.

"Vicente está bêbado como um cão." André comentou, olhos nas cartas com o emblema "PBH" em letras cursivas. "Que deselegância."

"Há pessoas que não sabem se comportar em lugares como esse." Concordou, sem olhar para ele. "Mas por outro lado, ninguém jamais pode duvidar da sinceridade das intenções de nosso irmão." Um silêncio tenso se ergueu entre eles, as primeiras apostas sendo colocadas na mesa em sentido horário por participante.

"Fiz o que achei melhor para nossa região. Nunca foi por mal."

"Você me usou para poder ter o poder interino da região, André. Sempre gostou de mandar e desmandar em nós a seu bel prazer." Bernardo colocou suas fichas na mesa de madeira escura com mais força do que gostaria, assustando os jogadores. "Me apunhalou pelas costas, trai nossa confiança, e tem a pachorra de me dizer que não fez por mal?"

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