¤ Prólogo ¤

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O povo da longínqua cidadela acordou sob o marchar dos pés de centenas — senão milhares — de seres cadavéricos sedentos por sangue. Uma nuvem de poeira cobriu a entrada da cidade enquanto os seres aglomeravam-se tentando derrubar o imenso portão de ferro.

Mais e mais arqueiros ajuntavam-se em cima das muralhas, mirando suas flechas nos seres estranhos. Alguns tremiam a ponto de não conseguir manter a concentração, já outros sentavam-se com as mãos sob a cabeça, arfando descontrolados.

— O que é dessa vez?! Orcs, elfos, dragões? — gritou uma mulher de fardamento azul repleto de broches e medalhas que acabara de chegar ao local. — Adiantem, molengas, a honra de Listeria depende de vocês! PREPARAR, MIRAR, ATIRAR!

Ao soar da ordem, centenas de flechas foram disparadas, derrubando os mais próximos da muralha. Depois, mais saraivadas foram lançadas contra as criaturas, que pareciam aumentar cada vez mais os seus números.

Os seres de aparência cadavérica agarravam-se à parede, sobrepondo-se uns aos outros e conseguindo apoio nas saliências das pedras já esverdeadas, cobertas pelo limo. Entretanto, a maioria perdia o equilíbrio com facilidade e caía com força no solo.

— Que droga são esses bichos?! — A mulher voltou a berrar.

Sem obter resposta, foi até o cavaleiro mais próximo e o agarrou pelos ombros, repetindo a pergunta.

O homem, aturdido, não conseguiu fazer com que uma única palavra saísse de sua boca; a superior então lhe deu uma bofetada, fazendo-o voltar a si. Ao notar a presença da general, ele bateu continência imediatamente.

— Responda, droga!

ㅡ G-General Bardot! Não fazemos ideia, eles apareceram do nada e aos montes... — O cavaleiro deu uma pequena pausa, seus olhos fitando o nada. — A única coisa que sabemos é que os soldados que se aproximaram... foram devorados vivos! Sangue, vísceras... tudo...

Bardot ouviu a tudo sem conseguir acreditar. A cidadela era a maior proteção da fronteira leste de Listeria, se ela caísse, o reino teria um desfalque incorrigível.

— Pelos deuses! — exclamou a general com os olhos arregalados e a boca escancarada ao ver a cena que se sucedia.

ARGHHHH! Me solta!

Os dois foram interrompidos pelo grito de um dos arqueiros que, com um grande sangramento no braço direito, disparou uma última flecha no meio da cabeça de uma das criaturas que já subiam a muralha, derrubando-a instantaneamente.

O jovem rapaz caiu no chão, sentindo uma grande dor enquanto seus olhos perdiam a cor e o suor lhe escorria pela face, morrendo ali mesmo.

Poucos segundos depois, o corpo voltou a tremer e o rapaz levantou-se com a pele pálida e enrugada, encarando todos ao seu redor sem exibir uma expressão sequer.

— Não se aproximem dele! — A general anunciou, puxando sua espada da bainha. — Eu juro que vi esse rapaz morrer! Não deixem ele se aproximar!

Antes que eles fizessem algo, o arqueiro avançou sobre o cavaleiro mais próximo, arrancando um pedaço de seu pescoço e fazendo com que uma grande quantidade de sangue jorrasse, atingindo outros ali posicionados.

Rapidamente, a general brandiu sua lâmina e decepou a cabeça do arqueiro. Porém, nada mais podia ser feito, o cavaleiro despencou já sem vida, deixando uma enorme poça de sangue.

— Esses bichos são... cadáveres! Se afastem, não deixem ser tocados! — Bardot gritou com o máximo de força, recuando alguns passos para trás.

Mas já era tarde demais, vários dos seres já se amontoavam um por cima do outro, chegando ao topo da muralha e cercando o grupo. Não só isso, um barulho de metal batendo ecoou pelos ares, seguido de uma nuvem de poeira. O portão havia sido derrubado e um grande bando deles adentrava a cidade, atacando a todos que estivessem em seu caminho.

A general se viu cercada. Colocou uma mecha rebelde do cabelo ruivo atrás da orelha — mania que tinha quando a situação fugia do seu controle — e então ordenou para que iniciassem uma formação circular em que todos protegeriam as costas um do outro.

Em seguida virou-se para o cavaleiro ao seu lado direito e falou: — Rume para a capital e avise que a cidadela foi tomada! Diga-lhes que perdemos para um bando de... mortos-vivos!

— M-Mas senhora, eles não iriam acreditar... não em um simples soldado — explicou o homem.

Ela então arrancou um dos broches de seu uniforme e entregou nas mãos do rapaz assustado.

— Leve isso, diga que eu o enviei. Hão de acreditar.  Agora, está vendo aquele monte de feno ali? — Bardot apontou para um local próximo à muralha onde um cavalo repousava. — Pule nele, monte no animal e vá! Eu cubro sua retaguarda!

— S-Sim senhora!

E assim foi feito, o homem pulou da muralha, caiu em meio ao feno e em seguida montou no animal, acenando para a superior, que confirmou com a cabeça e saltou sobre o feno.

Com um sinal de mão, o cavaleiro partiu em disparada, segurando o broche com o máximo de força que podia. Protegeria-o mais que a sua própria vida.

"Posso perder, mas protegerei o meu posto até o meu último suspiro! Venham aqui, filhos de uma puta!", vociferou a general em pensamento.

Bardot girou sua espada, cortando o braço de uma das criaturas. Porém, não foi o suficiente para pará-la e ela foi forçada a fazer outro corte na vertical, rachando sua cabeça ao meio.

Em pouco tempo estava cercada novamente, próxima a algumas casas. Os seres se aproximavam lentamente, emitindo grunhidos e gritos cada vez mais violentos. Apenas lhe restava rezar por alguma saída.

— Tomara que ele chegue a tempo. Espero que os outros reinos estejam a salvo...

A mulher emitiu sua última fala antes de partir para outro ataque enfurecido, cortando mais e mais deles.

O Despertar da PragaOnde histórias criam vida. Descubra agora