Capítulo 03 - eu sou Hyungwon

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Acordo, mas fico na cama por mais de uma hora. Sei que isso pode desregular o sono dos outros, mas eles não podem me culpar ou me chamar de preguiçoso - o faziam antes, mas agora todos sabemos que não é bem assim.

Estou na cama de casal, o que significa que Minhyuk esteve aqui ontem à noite. Nas últimas vezes em que controlei o corpo, trocamos nossos turnos um depois do outro, o que me deixa mais acostumado e também ligeiramente intrigado sobre estarmos criando algum tipo de padrão dentro das trocas de personalidade. O tratamento está tendo um efeito tão poderoso que eu não duvidaria de outras mudanças.

No passado eu despertava nas horas mais inapropriadas, no meio de uma mijada, por exemplo, com a mão em mim mesmo, urinando no lugar errado por causa do susto. Já aconteceu de trocarmos dentro de um ônibus e eu acabar não sabendo em que ponto deveria descer.

Não tem sido assim há muito tempo e sou grato por isso. Geralmente acordo na cama, como hoje, ou no meio da tarde, quase sempre depois de dormir ou tirar um cochilo. Talvez estejamos treinando para evitar grandes transtornos. Não tenho certeza, mas me parece bom.

19 de maio, 11:20, Hyungwon vai terminar algumas revisões e ficar em casa jogando. Por mim o cabelo rosa fica.

Observo as anotações anteriores, mas a última é de Kihyun, um fato estranho. A menos que Minhyuk tenha despertado durante a madrugada, é esquisito que Kihyun tenha dormido no quarto com Changkyun. Com exceção de Minhyuk, quando estamos no corpo costumamos dormir no quarto de hóspedes, um acordo em comum para proteger a integridade do único relacionamento que deu certo em nossas vidas.

Não quero ter ideias erradas ou me lembrar do passado, mas é inevitável. Respiro fundo quando as imagens retornam à minha mente e vejo a tempestade com clareza. Nós o chamamos de Amargo Kim, porque a simples menção de seu verdadeiro nome me causa náuseas e tontura, como se ainda pudesse sentir as dores de cada soco e palavra rude, a pele manchada por cuspe e sangue.

Amargo Kim foi nosso último namorado antes de Changkyun. Digo nosso, porque foi por causa dele que eu surgi. Segundo a doutora Kang, estou preso a essas lembranças para que os demais não sofram com o peso delas, mas sei que Amargo Kim foi ainda mais carrasco com Hoseok, por exemplo. As dores das outras personalidades não me atingem como acontece com pessoas ditas normais; sei que existem, mas não tenho acesso a elas. O fardo que carrego, no entanto, é tudo o que posso suportar - e se já é pesado, não ouso tentar adivinhar sobre os demais.

Amargo Kim me deixa com a boca seca e com vontade de me machucar, então respiro fundo e pego um copo, enchendo-o com água. Tomo tudo de um gole e uso o mesmo copo para pegar alguns cubos de gelo no freezer, rumando até a mesa de trabalho na sala. As coisas estão muito arrumadas e tenho cada vez mais certeza de que algo está fora do comum.

Enquanto o computador liga, seguro dois dos cubos de gelo com força nas mãos, tentando espantar a vontade de me ferir. Funciona. Checo a agenda e noto que a consulta com Jihyun está marcada para o dia seguinte, então me levanto e anoto no caderno a informação que acho relevante:

Hyungwon está tendo vontade de se ferir. Usei os cubos de gelo. Fale isso para Kang Jihyun amanhã na consulta.

Revezo as correções com as pausas até que todo o gelo derrete. A vontade também enfraquece a ponto de me deixar bem mais tranquilo, então faço um lanchinho antes de me jogar sobre o sofá e dar partida no vídeo game. Apenas Jooheon e eu jogamos e noto que ele avançou alguns níveis enquanto estive fora - o que é ótimo, visto que eu estava empacado numa das missões mais difíceis e ele me fez o favor de vencê-la. Isso me distrai pelo resto da tarde e, quando Changkyun chega, ele não precisa perguntar quem eu sou: o simples fato de que estou compenetrado e jogando em silêncio já me denuncia.

All The Demons Of My Soul | ChangHyukOnde histórias criam vida. Descubra agora