Maya

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1 - Uma vampira em Nova Iorque

Maya respirou aliviada. Havia chegado a tempo de fugir dos primeiros raios de sol da madrugada gelada do aeroporto JFK. Poderia ter enviado a si mesma num caixão luxuoso para Stephen, que com certeza a recolheria com mais rápido possível, dando conta dos trâmites legais americanos com a sua eficiência costumeira. Mas queria sentir o prazer de sentar no seu assento, recusar de modo elegante as refeições da caríssima primeira classe e fungir bebericar o espumante champanhe servido em taças de cristal.

Enquanto todos dormiam, fora até a cabine de comando para apreciar a lua cheia no imenso céu estrelado. As nuvens, que às vezes atrapalhavam a observação, agora forravam o espaço abaixo deles, como um tapete de algodão doce. O piloto cochilava no assento, o comandante olhava para ela, espantado. Maya levara o indicador aos lábios, ordendo silêncio, e mordicara de leve o pescoço dele, arrancando-lhe um suspiro de prazer. Ele não se lembraria de nada, uma picada tão suave que não seria o suficiente para fazer-lhe mal. Mas não se enganem, pensou, divertida. A pequena Maya não é uma menina boazinha. Apenas não queria nenhuma confusão, metida nessa armadilha perigosa que era um avião fechado.

Andara de poltrona em poltrona, observando os rostos adormecidos e escolhendo as vítimas, todos os pratos deliciosos enfileirados. Hum... comida orientalno pescoço de uma bela japonesa. Um sabor forte no sangue místico de um islamita. Um gosto delicado no estudante de artes a caminho de Soho. Todos haviam contribuído com o seu quinhão de sangue para saciar a fome de Maya. E todos despertariam com pequenos e inexplicáveis cortes doloridos pela manhã. Ah, como adorava voar!

Nos guichês da emigraças, passou como uma sombra lingeira, sem ser notada pelos burocratas gordinhos que vigiavam a entrada dos estrangeiros. Farejavam como cães de caça os tipos suspeitos, o grau de desconfiança aumentando com a quantidade de melanina nas peles e diminuindo com o valor aparente das roupas. Mas uma vampira não podia perder tempo com essas bobagens humanas. Precisava apressar-se, pois os primeiros raios de sol já despontavam no horizonte.

Na área de desembarque, Stephen a esperava, sempre impecável no seu terno preto. Com um sinal discreto, o mordomo autorizou a ação do carregador, que acomodou com presteza as malas volumosas de Maya num carrinho. Depois, foi buscar o carro no estacionamento.

- Stephen, você não se livrou deste lixo como mandei? - esbravejou Maya, ao ver a limusine negra que ele dirigia. - Eu odeio esta monstruosidade brega!

- Sorry, Ma'am, mas seu apelido foi indeferido, já que este veículo foi preparado com todo cuidado para a sua conveniência: vedado e blindado, à prova da luz do sol. Trocá-lo, a esta altura, seria um desperdício de tempo e dinheiro - respondeu o mordomo, imperturbável.

- Você parece um burocrata, Stephen. Afinal, quem indeferiu o meu apelido?

- O seu mordomo, Ma'am. Para o seu próprio bem... Of couser.

- Você nunca faz o que eu mando. Qualquer dia, terei que dar-lhe uma lição, Stephen.

- Mas não hoje - retrucou o homem, sem dar mostras de temer os caninos afiados que Maya fez questão de mostrar. - Sugiro que entre logo na "monstruosidade brega", antes que se transforme numa toast, cara senõra...

- Senõra? Poupe-me desse sotaque mexicano, Stephen. Se quer falar potuguês, fale com a entonação correta.

- Yes, Ma'am.

Pensou ter visto um sorrisinho de ironia nos cantos da boca estreita de Stephen. Ah, que filho da mãe! Mas saiba que ele tinha razão. Sempre tinha.
Maya entrou na limusine, ajeitando a saia com um movimento gracioso. No momento, não tinha ânimo para se preocupar com ninharias. Estava tão indisposta! Queria que Stephen corresse como nunca para chegar logo ao seu apartamento na rua 72. E ele corria. Não, voava. A limusine avançava, veloz e silenciosa, pela estrada. Maya sentia os olhos fecharem. Estava zonza de sono. As vampiras também sofriam de jet lag. Cerrou os olhos. Podia descansar por alguns minutos, pois Stephen estava ali.

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