Capítulo 1 - Namling County

7 1 0
                                    

28 de Setembro de 2020
Segunda-feira

Um furacão emergia e o céu se tornava um bréu que se instalava por todos os cantos impedindo que qualquer coisa fosse visível na escuridão, quanto mais denso o ar se tornava, girando e engolindo tudo em um raio de 700 metros, maiores eram os tremores na terra. Era um inferno e de algum canto, ou todos os cantos surgia uma voz fria. Raika.

A garota acordou suada e assustada. Olhando em volta apressadamente para confirmar se o céu estava claro e o vento seguia um fluxo calmo. Piscou várias vezes e respirou fundo. Raika era uma garota de 19 anos com grandes olhos verdes e muitos fios de cabelo tapando seu rosto, a cabeleira cacheada era seu traço mais marcante pois eram longos e naturalmente bagunçados. Nunca comeu um hambúrguer, ou brincou em playgrounds com crianças da sua idade, nunca sequer vira uma criança de sua idade. Era, de forma bem clara, um papel em branco. Tudo que conhecia era um casebre mofado e sombrio no topo das montanhas de Tibete.

Quatro dias atrás um raio negro quebrou as correntes que mantiveram a garota presa naquele lugar desde criança. Era curioso que o tamanho, peso e formato das correntes se adaptavam à medida que a menina crescia, para Raika era extremamente normal. Tão normal quanto aprender suas primeiras palavras com Trols das montanhas, eles a vigiavam e cuidavam com muito zelo. Não era de forma afetiva mas como se estivessem realizando uma tarefa de sua responsabilidade. Raika sempre foi muito curiosa, conseguiu aprender Inglês, Japonês, Espanhol, Francês, Português, Mandarim, Russo e Holandês. Além de, é claro, Alemão. Existiam coisas que a garota sabia, como um sexto sentido. Como o fato de existirem outras pessoas lá fora, e existirem muitas coisas que ela não conhecia, a data de seu nascimento e quanto tempo havia se passado. A noção de tempo e seu senso de direção eram formidáveis. Dias atrás decidiu se aventurar pelo desconhecido e saiu mundo à fora em busca de algo, nem a própria sabia o que buscava. E se não fosse agradável se lembrava perfeitamente do caminho de volta, afinal, Raika nunca realmente odiou o lugar em que crescera, exceto os momentos de tédio em que os Trols saiam para algum lugar e a garota tinha que se ocupar de alguma forma.

Era engraçado como a paisagem havia mudado, ela seguia pelo sul, algumas vezes sudeste. As montanhas ainda completavam a maior parte do lugar, porém estavam menos e menos selvagens, no dia anterior a garota contemplou um amontoado de folhas verdes caindo como uma peruca por cima de finos galhos. Era a primeira planta que vira na vida, a garota achou fascinante e não sabia dizer qual planta era aquela mas já havia lido sobre ervas e plantas. Era uma pena que não havia nada que parecece comestível, ela não sentia real necessidade de se alimentar mas gostava da sensação. Raika seguia seu caminho observando o céu tomando uma cor alaranjada, era o sétimo dia em que andava por montanhas sem parar para comer ou dormir, ela estava excitada demais para parar. Quando menos esperava aconteceu aquilo que ansiava à dias. Construções.

Bem, ela sabia que existiam coisas naturais como montanhas e tempestades. Mas haviam coisas criadas por pessoas, como o casebre em que vivera. Isso rondava a cabeça de Raika por todo o percurso. Preciso saber que existem outros. Era o pensamento contínuo, o desejo de vê-los, falar com eles, descobrir se seriam muito diferentes de sí ou parecidos. Raika correu, não havia nada consigo além daquele colar, não havia nada que pudesse prendê-la. O lugar era plano, cores mais vivas estavam presentes, haviam agora muitos vegetais. Inicialmente ela corria para tocar cada um deles e examiná-los atentamente mas agora seu impulso era descobrir o que eram aquelas coisas grades mais à frente.

Aparentemente era uma mini-cidade com várias casinhas muito próximas uma da outra e pequenas demais para morarem mais de duas pessoas, ao menos de forma confortável. A mesma planta que Raika vira dias atrás era visível se embrenhando pelas laterais do telhado e caindo como mechas de cabelo. A medida que seus passos lhe aproximavam mais detalhes eram aparentes, as portas de algumas casinhas completamente escancaradas, as pequenas construções de palha 3x menor que as casas. Não parecia haver alguem ali. Talvez existam Trols. Pensou Raika.

- Olá?

Andou lemtamente evitando tocar em algo, mas observando atentamente tudo. Raika era curiosa, mas seus sentidos eram extremamente aguçados, por algum motivo sabia que deveria se manter alerta, era algo sutil dentro de seu peito, pois não tinha nenhum conhecimento sobre dor. Não se lembra de algum dia ter sentido dor ou medo, ter chorado ou tremido diante de algo. Parou de repente e sentiu uma imensa vontade de bisbilhotar dentro de alguma das casas, quem sabe encontrasse alguma pista de existência de outras pessoas, ou ao menos algo interessante a ser descoberto. Entrou em uma casa particularmente mofada, sua porta era uma das que estavam escancaradas, não havia nada dentro além de um altar de barro com muitas velas. A maior parte derretida até mais da metade, algumas derretidas completamente. Raika nunca havia visto uma vela, não sabia para quê aquilo servia então se aproximou e agaixada visualizou o objeto como se olhar fosse lhe dar algum tipo de epifania. Franziu o cenho e prendeu a respiração quando ouviu um rangido de pedras no chão, claramente alguem pisara atrás dela. Sua mente nunca havia sentido esse tipo de adrenalina e se abarrotou com estratégias para fugir, ao mesmo tempo que concluía que definitivamente era uma pessoa. Finalmente veria alguem, de carne e osso.

- 누구세요? (Quem é você?)

Raika se virou para a voz. Permanecendo agaixada, a medida que observava a mulher à sua frente foi se levantando. Estava confusa, não entendera uma única palavra do que a mulher havia dito.

- Desculpe, não entendi.

Viu a sobrancelha da mulher arquear levemente e sua boca se abrir e então tornar a fechar. Ela era linda, cabelos muito negros, olhos igualmente escuros e brilhantes, cheios de uma estranha esperteza e sua boca tinha uma curva sorrateira. O vestido branco se assemelhava muito com uma cortina que acabara de ser amarrada em volta de alguem, não que isso a tornasse menos bonita. Ela era a visão mais encantadora que Raika já havia visto. Mas Raika era inteligente o bastante que o perigo tambem pode ser belo.

- Quem é você? - Perguntou a estranha mulher de forma calma e cuidadosa.

- Raika.

A mulher semicerrou os olhos e a encarou ávidamente, como se pudesse puxar toda a verdade da garota com seu olhar. Mas Raika tambem observava e analisava, mesmo sem saber que a mulher diante de si vivera o equivalente à dezenas de sua vida.

- E o que faz em um lugar tão afastado, Raika? E sozinha. Como veio parar aqui? -

A mulher se aproximou da porta e saiu devagar deixando Raika confusa. A menina seguiu a dona da voz de forma exasperada mas tentando manter-se impassível.

- Eu moro ao norte, entre as montanhas. Queria descobrir mais sobre o mundo então vim até...

- Namling County? - Completou a mulher depois da pausa confusa de Raika.

- Mas quem é você?

Raika finalmente manifestou e parou para olhar a mulher que agora espiava para dentro de outra casinha. A garota estava confusa e chateada consigo mesmo por ter dado tanta informação sobre si sendo que nem ao menos sabia o nome da estranha.

- Me chamo Sae-byeok. Tenho que voltar para minha filha, quer me acompanhar?

- Por que eu faria isso?

Sae-byeok olhou-a com carinho, mas algo dentro de seus olhos brilhava. Uma empolgação, curiosidade, como se algo estivesse sendo tramado.

- Porque você quer descobrir mais sobre o mundo, não? Eu posso lhe mostrar.

Raika era uma garota exepcionalmente talentosa e inteligente. Mas ainda sim, era apenas uma garota. Ingênua e com nenhuma noção do que a esperava dali pra frente.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 22, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

A Ultima Bruxa - Reencarnação de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora