Uma gota de vinho

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A primeira parte de um texto sempre irá defini-lo. Sinto que a introdução sempre será a parte mais importante de qualquer história. Mesmo assim, me recuso a fazê-la. Me nego a escrever qualquer início aos sentimentos expressos nesse texto.

Mesmo que eu possa ser definida por isso, não serei a eterna personagem clichê que inicia seu texto mostrando-lhe seu problema. Não tenho um, não posso explicá-lo. Jamais haverá algo a ser incluído neste texto que seja de teor dilemático. Mas talvez haja algumas linhas pessoais que dirão sobre minha rotina pessoal e os maiores motivos que me levam ao estresse.

De qualquer modo, me recuso a prestar este papel. Mesmo que eu saiba que estou fadada a fazê-lo.

Então inicio aqui, neste quarto parágrafo de uma odisseia pessoal ridiculamente desinteressante, a minha história de rixas e debates pessoais que de modo algum lhe parecerão um problema. E nem de perto, ou de longe, serão tóxicos ou distantes de tudo aquilo que é saudável.

E é somente no quinto que lhes trago verdadeiramente minha história. Estou encarando os papéis jogados na minha mesa. Há um teor de tédio com sabor de vinho preenchendo o ambiente e trazendo o doce aroma alcoólico, assim como seis garrafas jogadas de modo vergonhoso ao redor da sala, uma delas está quebrada. Então peço que tenha cuidado ao emergir neste texto.

Há um sentimento de insatisfação pairando no ar, sinto que poderia tocá-lo se estendesse a mão apenas um pouco. Logo percebo que estou mais bêbada do que pretendia ficar e que talvez seja melhor limpar os cacos no tapete. Aquela cor me lembra sangue, e isso me deixa nervosa, mesmo que seja apenas um dos vinhos baratos em promoção de leve 2 e pague 1.

Haveria diferença se não fosse? Provavelmente não. Aqueles papéis jogados à mesa me torturavam tanto quanto um serial killer em divertimento com sua pequena presa inocente. Se eu fosse mais jovem, cortaria meus pulsos, se fosse mais velha me jogaria da sacada.

Mas aqui estava eu, pairando no meio, tentando tocar um sentimento exposto em vinho derramado e cacos de vidro no meio da sala. Aquela era uma cena tão deprimente quanto eu achava que fosse?

Se sim, talvez ti vesse que contradizer minhas próprias palavras e explicitar que estou com problemas no meio de uma cena problemática. Mas não me dou por vencida. Estou pairando no meio, numa corda bamba entre o que é certo e o que é errado, e em momento algum me deixei cair. Sou como uma daquelas profissionais de circo, boa o bastante para manter o equilíbrio, triste demais para ser tida como palhaça.

Mas não é como se esses papéis, espalhados por aí como poeira em um móvel velho e abandonado em uma mansão lúgubre, não me tivessem desse modo. Para eles, eu era uma palhaça completa, ainda mais se considerasse a maquiagem borrada e escorrida após uma noitada completa numa boate qualquer na noite anterior. Neste momento não há moral em mim para negar o fato de que sendo problemática ou não, eu era como aquela garrafa de vinho, quebrada e patética, com todo conteúdo derramado por aí. Vazia, vazia, vazia...

Naquele momento eu era um caco de vidro de uma garrafa de bebida que jamais seria aproveitada.

Talvez seja o momento perfeito para desistir e ir dormir de forma patética no sofá da sala. Seria uma ótima ideia, se eu não estivesse bêbada demais para isso. Se não fosse orgulhosa demais para me dar por vencida.

Mais um dia sem dormir, era o que eu precisava. Sem ver, sem ouvir ou dizer qualquer coisa coerente. Neste momento, tudo que quero é continuar bebendo até ter coragem para finalmente assinar os papéis do divórcio. Não é como se eu não quisesse, porém.

O divórcio não deveria ser uma ideia tão ruim quando duas pessoas decidem mutuamente que o relacionamento acabou. Mas acho que a questão que torna isso tão complicado parece simples vista de uma perspectiva bêbada: o medo da solidão. O pavor inicial que todos temos ao iniciar um novo capítulo das nossas vidas.

É sempre como se a maré das mudanças nos engolisse e depois nos jogasse para fora completamente desnorteados. Como uma criatura, agora, bípede antes meio peixe, meio humana, que olhava para fora e tinha medo do mundo terrestre até decidir encará-lo.

Em apenas alguns minutos em me sentia a pequena sereia, mas não aquela que tinha curiosidade pelo mundo e decidiu desbravar sua natureza, encorajada por uma paixão. Nem mesmo aquela que se apaixonava por um homem e estava disposta a tornar-se espuma do mar apenas para vê-lo de perto. Eu era uma pequena sereia, como a última de minha espécie, que decidia sair do mar e encontrar paz em meio ao desconhecido.

E por extensão, o mar, no momento, não passava de uma gota de vinho que eu tomava da última taça após a última tentativa de assinar os malditos papéis que eu tanto temia.

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