2- parte 1

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Obs.: O capítulo 2 ficou muito grande, então eu vou dividir em duas partes e postar a outra no dia 10.
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O sol invade as grandes janelas da cozinha, inundando o chão de madeira com sua luz, me concentro em lavar os pratos de louça delicada, mas mesmo assim comprimo os olhos devido ao sol refletindo na água. Passos atrás de mim, dos cozinheiros, copeiros e outras criadas, que se apressam para fazer a refeição, ouço pessoas arrumando bandejas, separando louça, o som da faca sobre o granito da bancada, minha mente se desvia para esse som e vagueio em meus pensamentos.
 –Vai ficar quanto tempo lavando esses pratos? _ Elaene fala enquanto se aproxima da pia com uma pilha de panelas, me puxando dos meus pensamentos. 
–Desculpa, me distraí.–digo enxaguando o último prato empilhando com os outros ao lado, Elaene deixa a louça suja ao meu lado e começa a secar os pratos.
–Tem sorte de ter sido eu a perceber, sabe como o castelo está agitado. – Hoje é a chegada dos príncipes, mas cedo do que o previsto, então o castelo está um completo caos.
 Continuamos com a louça eu lavando e Elaene secando e guardando nos armários e cristaleiras ao lado, às vezes algumas criadas apareciam e deixavam talheres ou panelas ao meu lado. O cheiro de tempero invade o ar e a cozinha se torna mais quente quando alguém liga o forno, mesmo no outono a cozinha fica quente e agradeço por minhas mãos estarem na água fria.
 – Dupla do B-4 – Me viro em busca do som e vejo uma figura alta com o macacão preto e a blusa verde-escura, que indica que ela é a criada supervisora da cozinha. Ela olha primeiramente para mim, porém percebo que ela tem dificuldades de me encarar, então direciona seus olhos escuros para Elaene. – Quando acabarem aí vão ajudar o grupo da sala de jantar, eles estão precisando de apoio. Separe sete conjuntos de jantar, da louça vermelha de porcelana e levem para lá.
 Aceno em resposta e vejo pelo canto do olho Elaene fazer o mesmo. Terminamos rapidamente o que estávamos fazendo e separamos a louça necessária em um carrinho de metal, saímos da cozinha por um corredor que fica na parede paralela à janela, o corredor é largo o suficiente para nós e o carrinho andarmos lado a lado, iluminado por fileiras de lâmpadas podemos ver os corredores menores que ligam a outras áreas do castelo. O fim do corredor leva até o Coração.
 O Coração nada mais é do que um salão oval, com uma decoração simples, sem janelas sendo por onde todas as criadas passam para andar pelo castelo e funciona como um posto, com todas as coisas que possamos precisar, como armários com materiais de limpeza, outros carrinhos e outros equipamentos. 
 O Coração tem esse nome porque liga o subsolo com o castelo através de uma ramificação de corredores que funcionam como artérias, veias e vasos que percorrem todos os cantos do castelo, tornando as criadas forças invisíveis que aparecem e somem sem ninguém ver. 
 Passamos pelo Coração em direção a um dos três corredores principais, que se arte em vários outros corredores, com curvas e bifurcações, nesse momento eu tomo a frente, guiando Elaene pelo labirinto de corredores com facilidade. Por mais que esteja a sete anos trabalhando no castelo, Elaene tem certa dificuldade em se achar nos corredores, porém para mim andar por esses corredores é tão natural quanto respirar já que eu passei minha vida toda aqui. Após virarmos um corredor chegamos a uma subida bem iluminada que marca o primeiro andar, subimos e viramos o corredor que leva a sala de jantar.
 A sala de jantar é espaçosa com uma comprida mesa de jantar no centro paralela à janela com vista para o jardim que cobria quase toda a parede e suas cortinas pesadas. A mesa é de uma madeira clara com entalhes de vinhas nas pernas, as cadeiras eram revestidas de veludo marrom escuro e escondiam detalhes a ouro. Criadas com seus uniformes limpavam a sala veementemente, o som das vassouras e dos panos sobre a lisa mesa preenchiam o ambiente, a coordenadora do setor nos cumprimenta e nos guia até as meninas que estão limpando a mesa. Eu as conheço por serem do dormitório vizinho ao nosso, e por serem as meninas de que Ada reclamou ontem por irem ao refeitório de pijama, a Adina e Olive, Adina é bem mais nova, por volta dos quinze e Olive tem algo entre minha idade e de Elaene, elas nos explicam que precisamos montar a mesa para sete, a família real e um visitante. Adina me ajuda a retirar a prataria e a louça e entregar para Olive e Elaene. 
 – Você sabe quem é o visitante? –  Elaene sussurra a Olive enquanto ajeita um prato na mesa.
– Elaene, você já é mãe, se comporte!– Olive a repreende. Solto uma risada baixa com Adina, que fala:
– Eu ouvi dizer que é uma mulher Ikonphi, mas eu não sei que país.
– Obrigada Adina! – diz Elaene olhando para Adina antes de se virar novamente para Olive._ Viu, alguém que entende.
– Você parece mais nova que a Adina, só vamos acabar o trabalho – repreende Olive.
Alguém do continente mãe em Tonitrua é um evento inédito, desde a independência de Tonitrua, a mais de duzentos anos, a relação entre o país e seu continente colonizador é bem turbulenta. Então não importa de que país seja a visitante esse é um marco histórico, fico pensando sobre isso enquanto arrumo a mesa.
 Quando acabamos de arrumar a mesa e a supervisora dá a aprovação, somos liberadas para o intervalo. Eu e Elaene seguimos em direção ao refeitório. Em um dos corredores no caminho falo com Elaene:
– Quem será que é a visitante, uma embaixadora?
– Seria entediante se fosse, eu acho que é uma princesa ou uma presidente, eu ouvi dizer que eles tem essas coisas em um país de Ikonphi.– viramos um corredor.
–Não mandariam ninguém tão importante assim para um país na primeira vez, mas por que eles iriam querer estreitar relações com Ikonphi agora? 
–Espero que não seja por uma guerra.
–Faz sentido – não falo em voz alta, mas todo mundo sabe que Thalassa tem um poderio militar maior, sozinha Tonitrua seria destruída, de certa forma é um milagre Tonitrua ter conseguido um cessar-fogo. Elaene me olha e diz:
–Melhor nem pensar nisso, a guerra foi horrível e ninguém quer que aconteça de novo. 
Concordo com Elaene e me sinto horrível por tocar no assunto, Elaene veio de uma cidade perto das fronteiras ao sul, ela era bem nova quando a guerra acabou, porém, ela deve ter visto muita coisa. Seguimos o resto do caminho em silêncio até chegarmos no coração.
 O refeitório, fica na ala de serviço que é um dos três corredores principais do Coração, que está vazio, a maioria das pessoas está no intervalo ou se preparando para o almoço, temos um intervalo de cerca de quinze minutos até o caminho entre a cozinha e a sala de jantar ficar engarrafada. Olho para Elaene e seguro seu braço:
–Quer tirar a curiosidade? – Olho para ela com um sorriso travesso. _ Temos quinze minutos.
– Como? – Elaene pergunta, mesmo sabendo que deveria ser a sensata da situação.
 Puxo ela até o corredor que dá para a cozinha, porém em vez de seguirmos reto até a mesma, viramos em um corredor adjacente que leva na direção do jardim.
– Para onde estamos indo?– pergunta ela. Viramos outro corredor à esquerda, esse menor que o outro e com uma leve inclinação para cima.
– É um esconderijo que eu descobri brincando pelo castelo. – explico. Paramos em uma bifurcação e viro novamente a esquerda em um corredor estreito e sem saída, iluminado por uma fina janela perto do teto.– É aqui. 
Sinalizo com o dedo para ela se manter em silêncio e caminho até o fim do corredor e encosto o ouvido na parede, chamo Elaene para fazer o mesmo que obedece. A única coisa que separa o grande salão e esse corredor é esta fina parede, num primeiro momento só ouço alguns passos e sussurros. De repente ouço alguém informar a chegada da comitiva real, passos apressados e consigo imaginar pessoas fazendo fila ao lado da porta, é possível ouvir o momento onde os portões são abertos e o segundo silencioso antes do rei entrar. Consigo imaginar o momento com detalhes, o rei com seu uniforme preto com suas medalhas de guerra entrando primeiro, seguido de seu primogênito e seu segundo filho, para depois a comitiva da visita chegar. Ao contrário das criadas consideradas boas o suficiente para andar por cima do castelo, sem ser pelos corredores atrás das paredes, eu nunca presenciei esse momento. 
 Antes de a comitiva da visita chegar, alguém a porta a anuncia:
– Helerys Earros princesa de Ikonphi do Norte.
Olho Elaene que está do outro lado do corredor, a uns dois palmos de distância, formando a palavra "sabia" com os lábios, revirei o olho em resposta.
Um silêncio perdura durante um tempo e estávamos quase levantados para ir, pois os quinze minutos que tínhamos para passamos despercebidas estavam acabando, porém, ouço a inconfundível voz do rei, o que chama a minha atenção, ele diz:
– Vamos para a sala de jantar, deixe que as criadas guardem a bagagem, acredito que a rainha queira conhecer sua nora.
 Olho espantada para Elane que nesse momento já estava de pé, pronta para ir e ela me pergunta com os lábios o que aconteceu. A primeira coisa que me vem à mente é Ann, sabia que uma hora ou outra esse relacionamento, ou sei lá o que acontece entre eles, ia dar errado, só não esperava que fosse tão cedo. Penso se Klaus está realmente noivo apenas dois meses de começar a namorar Ann, não é o tipo de coisa que ele faria, mas qual seria a explicação. Eu avisei a ela quando ela me contou, mas ela é teimosa.
 Passamos o corredor com Elaene se vangloriando por acertar seu palpite de que era uma princesa, não uma embaixadora como eu disse, ela não pergunta sobre o que eu ouvi, então ignoro a questão.
 Passamos pelo Coração direto para a ala de serviço, passamos direto pelos corredores que levam as seções de A á G, indicadas com uma placa. O refeitório fica no final do corredor e é o único espaço compartilhado por todas as seções.
 Na mesa da seção B encontramos com Ada e Ann, Olive e Adina não estão, o que significa que ainda devem estar na sala de jantar. Ann nos recebe com um largo sorriso, e Ada nos recebe com uma enxurrada de informação assim que sentamos com as bandejas, ao que parece Rylia convocou uma reunião de emergência com as responsáveis pelos dormitórios por conta de uma visita inesperada  Rylia também foi pega de surpresa pela visitante de Ikonphi do norte e agora está tendo que reorganizar tudo. Ada conta empolgada sobre uma visitante misteriosa e eu e Eleane fingimos surpresa.  
 Tento olhar Ann de forma discreta, penso em como ela ficaria se soubesse, ela se entrega às pessoas muito facilmente. Ann retribui meu olhar o que me assusta e me tira dos meus pensamentos, Ada e Elaene não percebem de primeira, porém os olhos atentos de Ada logo se viram na nossa direção então desvio o olhar das duas e volto minha atenção a minha bandeja. 
 O dia segue como qualquer outro, eu e Elaene voltamos à cozinha, Ann e Ada voltam ao que elas estavam fazendo antes. No fim do dia minhas mãos estão ásperas por conta do detergente e meu uniforme está úmido, já que antes de fechar a cozinha precisamos limpar ela inteira.
 Passamos pelo dormitório que está vazio, provavelmente elas estão jantando, para pegar nossas coisas antes de ir ao vestiário, compartilhado por toda a seção B, cerca de vinte e quatro criadas. Graças ao trabalho na cozinha terminar mais tarde do que os outros o vestiário está praticamente vazio, então me dou ao luxo de escolher a cabine onde a água é mais quente.
 Quando voltamos, Ada e Ann já estão lá, às duas em suas camas, Ada por ser mais velha dorme na beliche debaixo de Elaene e Ann dorme na beliche de cima e eu na debaixo. Ada está escrevendo algo em seu caderno e Ann está lendo algum romance que ela conseguiu na biblioteca do castelo.
 –Vocês já jantaram?– pergunta Ada, quando chegamos.
– Jantamos na cozinha – Elaene diz, completando com uma conversa sobre como nós comemos a mesma comida que a família real e que foi preparada por chefes. Elaene estava se vangloriando, mas qualquer um que trabalhe no turno noturno da cozinha come a comida que sobra, porque não pode ser servida a mesma refeição duas vezes.
 Enquanto elas conversam penso se devo contar a Ann que seu namorado está noivo, começo a ficar ansiosa, pensando em como vou contar a ela. Talvez eu esteja exagerando, posso ter ouvido errado, amanhã talvez seja o melhor momento já que ficaremos juntas, mas como contar para sua irmã que você acha que seu namorado está noivo.

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