É só um show de rock

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Melanie gritava com a mãe mais uma vez. Sua mãe podia ser tão teimosa quanto um burro quando empaca.
- Vai todo mundo!!! - Melanie esbravejou.
- Você não é todo mundo - sua mãe ponderou.
- Que saco, mãe, você não entende! Eu preciso ir! Vai estar todo mundo!
- Se fosse outro tipo de show, eu podia até liberar, mas é um show de rock e um show de rock pesado!
- Mas eu gosto de rock pesado!
- Nesses shows rola de tudo e você só tem quinze anos. Você não tem ideia pois nunca foi em um show de rock pesado, mas eu já...
- Cansei de discutir com você - foi tudo que Melanie disse.
Melanie não disse à sua mãe, mas ela daria um jeito de ir no show querendo ela ou não. Ainda faltava duas semanas e ela já tinha comprado ingresso já fazia um mês. Já tinha pensado na possibilidade da mãe não deixar e já tinha arquitetado um plano.
A banda era nova e se chamava Devil's taste. Melanie adorava as músicas pesadas e sabia que sua mãe nunca diria isso, mas ela tinha medo das letras das músicas, nada suaves. Tinha algumas que elevavam o self, o ego, mas tinha outras mais brutais. Uma particularmente, chamada "Você já era", tinha até dado medo em Melanie, mas é claro que ela nunca admitiria. Dizia:
Você que tem o gosto do diabo
Você que flerta com os demônios
E se põe sempre em primeiro lugar
Você que é um rebelde sem causa
Essa música vai te pager
Escute até o final e
Ela vai consumir sua alma
Você vai se perder, meu diabinho
Você vai se perder
Já era
Já era
Já era
Você já era
Você é agora do diabo
Você é agora do diabo
Essa musica vai te pegar
E repetia tudo.
Melanie normalmente nunca ouvira essa música até o fim. É claro que ela sabia que era bobagem, assim como você sabe, mas ela não queria correr o risco de perder a sua alma.
No fundo ela sabia que sua mãe estava certa. Ela era criança demais para aquele tipo de show. Sabia que estaria cheia de caras mal encarados e que se drogariam pelo gramado. Mas ela sentia que tinha que ir. Já tinha passado da hora dela ser uma garota mais resolvida.
Nas duas semana que se seguiram. Melanie não tocou mais no assunto do show e fez parecer à sua mãe que tinha esquecido. Dois dias antes do show anunciou que tinha um trabalho em grupo e que seu grupo iria se reunir na sexta à tarde depois da aula e que ela dormiria na casa de Rana, sua amiga.
Sua mãe não estranhou. Melanie sempre dormia na casa de Rana e vice-versa, o que ela não podia suspeitar é que elas e mais o seu suposto grupo de trabalho iria para o show do Devil's taste.
O show tinha tudo que sua mãe temia e muito mais. Era mesmo barra pesada. Melanie tentou fingir que estava tudo bem, mas teve certeza que aquela não era a praia dela. As pessoas pareciam esquisitas e mal encaradas e, sim, estavam usando drogas no gramado de uma maneira discreta.
Melanie cogitou experimentar alguma droga para parecer mais ambientada, mas desistiu, pois a galera ali parecia muito louca e não queria estar fora do controle.
Rana estava leve, rindo e se divertindo. Melanie estava tensa e não parava de olhar para os lados, como se a qualquer tempo pudesse aparecer alguém com um facão e cortar sua cabeça.
Melanie odiou pensar que sua mãe tinha razão e teve raiva de si mesmo por ser tão teimosa quanto à sua mãe.
O show começou e Melanie se sentiu aliviada, ela já não se sentia o centro das atenções. Conseguiu até relaxar e curtir a música. Aos poucos estava cantando, pulando e balançando sua cabeça como uma legítima fã da banda. Música vai e música vem e Melanie estava leve como Rana. Deixou de prestar atenção em todo mundo. Foi depois da música "Você já era" que Melanie se sentiu diferente. Era como se nada mais lhe importasse. Era como se o mundo existia para ser seu playground. Melanie foi direto no amigo que ela sabia que cheirava cocaína e cheirou uma carreira. Se sentiu ainda mais livre. Nada mais poderia a impedir. Nem o céu seria limite para ela. Olhava para o lado e de repente fazia parte, pertencia àquele show e àquelas pessoas. Era como se um mundo novo se abria diante dos seus olhos e ela não tivesse mais limites, mais amarras. Estava livre o mundo era seu.
Depois do show, Melanie não era mais a mesma. Sua mãe passou a estranhar seu comportamento, mas atribuiu a uma fase estranha da adolescência. Melanie fugia da escola, levava com ela Rana e a turma do show. Passaram a frequentar um beco. Lá tinha de tudo. Melanie experimentava tudo que tinha: ácido, balinha, cocaína, heroína, maconha e o que mais tivesse à disposição. Perdeu a virgindade ali no beco e nem se lembra direito como foi. Aos poucos sua sensação de liberdade foi indo embora e ela foi se sentindo cada vez mais escrava do beco e das drogas.
Quando já estava totalmente dependente das drogas, sua mãe não teve dúvidas que algo ia muito mal com Melanie e não era só uma fase da adolescência. Era muito mais que isso. As olheiras fundas e a magreza excessiva não deixavam mentir: sua filha era uma drogada.
Um dia Melanie chegou muito louca em casa e admitiu que foi ao show e que ouviu muito rock pesado, mas que depois de ouvir "Você já era", se sentiu sem medo, sem freios e tudo mudou de repente.
Sua mãe desesperada lamentava pelos delírios de sua filha e sinceramente não sabia o que fazer. Nunca ensinam isso para as mães: o que fazer quando seu filho sai do controle.
Em um lampejo do que ela achou ser sabedoria, sua mãe agarrou o braço de Melanie.
- Você vai amanhã na Igreja comigo, mocinha.
Melanie foi. Estava cansada do beco. Queria ver se conseguia suportar uma manhã sem ir para lá.
Na porta da Igreja algo a fez cair na escada. Era como se sentisse que não devia entrar. Melanie se levantou e tentou novamente. Caiu. Sua mãe sorriu sem graça aos fieis e ajudou sua filha. Melanie chegou a porta da Igreja finalmente, mas seu braço e sua perna se retorceram. Não conseguia entrar. O padre viu de longe a movimentação e chamou dois outros fieis para ajudar.
- Venha comigo, minha filha.- Ele segurou em sua mão e se virou para a mãe de Melanie - Deixa comigo.- Encarou os outros fieis e fez um sinal afirmativo com a cabeça e uma a tirou do chão e o outro segurou os braços de Melanie. - Para dentro - gritou o padre.
Foi então que o corpo de Melanie começou a se retorcer e o s fieis a segurando firme. Ingressaram no solo sagrado da Igreja, correram direto para a sala do exorcismo. A mãe de Melanie chorava desesperada
- Confie em mim - ele disse a mãe.
Em seguida, o Padre rezava, e dizia plavras em latim e jogava água benta.
Foram minutos intensos. Melanie estava algemada e seu corpo duro e contorcido. O padre suava e exorcizava Melanie. O demônio revelava sua força e resiliência.
-Diga seu nome - bradava o padre exausto.
O demônio ria.
- Jamais.
- Revele seu nome - gritava incessantemente o padre jogando mais água benta.
- É a pele dela que você queimará com essa água suja.
A mãe de Melanie era só o pó e não sabia o que fazer. Lembrou-se, então, da declaração louca de sua filha.
- Foi depois do show de rock da Devil's Taste. Ela se sentiu livre.
- Livre como nunca, seus hipócritas.
- Leviatã é você!
O demônio olhou injuriado.
O padre então ganhou força e começou a ecoar o riyo certo.
O demônio insistia, mas o padre estava mais forte.
Em quinze longos minutos, Leviatã se foi.
- Pode abraçar a sua filha - o padre disse à mãe.
A mãe foi correndo em direção a Melenie e chorava compulsivamente enquanto abraçava a sua filha.
Depois disso, Melanie virou carola de Igreja e temia até a sua sombra.
E quem poderá julgar?
Ela não foi feliz e nem triste.
O que ela nunca contou a ninguém é que de noite no escuro do seu quarto ela se masturbava ao som de rock and roll.
Dizem, não sabemos se é verdade, que o demônio sempre deixa um pouquinho do seu gosto em sua vítima: Devil's taste.

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