Amigos de Infância

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Um conto de terror de Eliane Quintella


            

Nós éramos novos em New Jersey. Eu não tinha nenhum amigo e mal falava inglês. Papai tinha sido convidado para trabalhar em um banco importante. Era uma proposta irrecusável, foi o que mamãe me disse quando me avisou que sairíamos do Brasil. Tinham que aceitar. Foi desse jeito que eu deixei o sol, a praia, e meus amigos do Rio.

"Será fácil sua adaptação". "Crianças se adaptam rápido". "Nem vai perceber a mudança". Foram com essas frases um tanto categóricas que eram repetidas diariamente para mim com um mantra, ainda assim nada diminuía o desafio de enfrentar a imensa solidão que parecia ocupar toda a minha vida.

Papai trabalhava alucinadamente e mamãe parecia triste demais para reparar em mim, tudo o que sobrava era sempre o silêncio. Foram meses difíceis, muito difíceis. A dificuldade do idioma garantia meu isolamento, por isso comecei a me dedicar a aprender o inglês. Quem sabe se eu falasse bem eu teria amigos?

Para minha alegria, descobri uma menina da minha idade na rua. De tarde depois da escola, costumávamos brincar muito e eu voltei a sorrir. Mel rapidamente se tornou minha melhor amiga. Ela era fluente em inglês e para minha sorte também em português, por isso me ajudou muito a desenrolar meu inglês. Ela fazia questão de falar pouco português que era para me ajudar.

Mamãe pareceu aliviada quando contei sobre Mel. Ela me pediu para conhecê-la, mas Mel  acabava preferindo brincar comigo na rua. Parecia que tudo, enfim, se ajeitava novamente para mim.

Foi em uma tarde que estávamos em cima da árvore que Mel pediu que eu jogasse uma pedra em um carro que passava embaixo. Estranhei seu pedido, mas ela implorou com o jeito cativante que tinha dizendo que seria divertido. Eu joguei. O motorista se assustou e bateu em uma árvore. Mel riu alucinamente. Eu sorri também. Ela parecia feliz. Ninguém nos viu e ficou tudo bem.

Continuamos nossa amizade de sempre, nos encontrando na rua e brincando até escurecer. Depois de um tempo, Mel me pediu que construíssemos juntos um estilingue. Achei a ideia bem bacana. Sempre quis brincar com um. Mas o estilingue virou a obsessão de Mel que me pedia para acertar janelas, cachorros, gatos e pássaros. Sempre com aqueles olhos espertos e, depois que eu atirava, ela ria até se acabar.

No início eu sofria quando atirava pedra nas casas e nos bichos, mas depois de um tempo, me acostumei, parei de ligar e passei a rir com vontade junto com ela.

É claro que o estilingue deixou de ser engraçado depois que fomos pegos em uma rua ali perto por um sujeito gordo e mal encarado. Ele deu um tapa forte na minha cara e nem encostou na Mel. Acho que é por que ela era menina.

Nesse dia, ela me levou para sua casa e cuidou de mim. Foi a primeira vez que eu entrei lá. Eu só via a Mel entrando e ia para minha casa. Eu me senti muito importante dela ter me convidado.

Cheguei todo contente em casa e contei para mamãe, não tudo, é claro, mas a parte que eu supostamente caí com a cara no chão e conheci a sua casa. De alguma forma, hoje eu percebo que sabia de alguma forma que tudo aquilo que eu vinha fazendo não era legal.

Mamãe pareceu aliviada. Para gente que era brasileiro, era muito estranha essa falta de intimidade entre amigos. Levar alguém para sua casa no Brasil, pode não ser nada demais, mas ali era e acho que foi isso que aliviou mamãe.

Eu e Mel continuávamos causando na região. É claro que depois de um tempo, todos sabiam que eram nós dois os responsáveis por muita coisa chata que acontecia na região, desde torneiras ligadas até pneus furados.

Minha mãe veio falar comigo.

— João, o que está acontecendo? Você nunca fez nada errado? Você é um bom menino. Eu sei — ela estava com os olhos marejados. — Vou ter que conversar com a mãe da sua amiga. Temos que dar um jeito para vocês pararem de fazer essas coisas. E tem mais, você tem sido o bobo dela. Os vizinhos só reclamam de você.

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