Passeio no bosque

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Eu sempre gostei de passear por aí. Adorava me enfiar no meio do mato, subir em árvores, pegar gravetos e colecionar insetos. Minha mãe dava graças a Deus. "Criança dentro de casa não dá certo", ela dizia. Por isso eu desaparecia por aí e ela agradecia e quando eu voltava estava me esperando com um jantar quentinho e saboroso.
Era Halloween e eu não vi motivos par não fazer o que sempre fazia. Em homenagem àquele dia coloquei uma camiseta preta era o mais perto que eu poderia fazer, afinal há tempos as fantasias tinham virado coisa de criancinha para mim. Dez anos não era pouca coisa, faltava só mais um par eu ter um celular.
Saí de casa e percorri o caminho por uma rua de terra que levava pra o bosque,  onde eu poderia brincar em paz nas árvores. Havia duas árvores grandes que formavam uma espécie de túnel pra entrada do bosque e naquele dia aquele corredor de galhos me pareceu ainda mais sombrio.
Eu entrei amedrontado. Era estranho. Eu sempre ia ali sozinho, mas naquele dia eu fiquei com medo. Não sei se era por causa do halloween e de toda atmosfera dark que circunda essa data ou se era algum tipo de sexto sentido por alguma coisa que estava por vir.
Eu não dei bola. Devi ser medo inconsciente de tudo aquilo que a gente sempre escuta sobre bruxas, monstros e demônios. Continuei pelo caminho que gostava e logo avistei a minha árvore predileta de escalada. Eu subi e me sentei no galho generoso que existia. A vista era a mesma a velha e simpática casinha de madeira que naquele dia estava saindo fumaça. Devem ter ligado a lareira, eu pensei.
O vento gelado gritava pelas árvores e faltava tranquilidade para eu aproveitar a vista. Bastou um rajado forte de vento e alguns galhos no chão para eu estremecer ainda mais.
Sentia que alguém me observava e resolvi sair da minha árvore predileta.
Assim que desci, observei o vento motivar as folhas no chão fazerem um redemoinho. Aquilo parecia um sinal para que eu fosse embora dali. Estava terrivelmente assustado.
Corri feito doido pela trilha e cai em um buraco coberto de folhas que devia ser armadilha para caça. A dor era intensa e avassaladora. Quis chamar minha mãe, mas eu ainda não tinha celular. Tentei mexer minha perna em vão. Estava quebrada. Comecei a chorar desesperado. Se ninguém aparecesse de quantas horas eu ficaria ali parado. E o que podia me acontecer? Conforme o tempo passava, mais desesperado eu ficava e resolvi gritar por ajuda. Havia o chalé a um quilômetro dali. Será que alguém me escutaria? Gritei e gritei como se não houvesse amanhã. Um senhor com rosto gordo e bondoso apareceu.
-Garoto, o que aconteceu?
-Senhor que bom que apareceu. Eu caí nesse buraco e acho que quebrei a perna.
-Nossa, menino, que estrago! Você caiu na minha armadilha!
-Eu vi!
-Acho que foi sorte a sua que estava passando aqui ou você ficaria aqui sabe-se lá por quantas horas.
-Se foi!
-Eu moro naquela chalé logo ali. Eu sou velho, mas acho que consigo te carregar até lá.
-Ah! Obrigado! Mesmo! Aí eu ligo para minha mãe me buscar.
O velho senhor me arrumou nos seus ombros e caminhamos até seu chalé.
Ele me colocou sentado na cadeira.
-Senhor, posso usar seu telefone?
O velho pegou uma almofada e me ajeitou melhor e eu sorri agradecido. Era muita sorte minha tê-lo encontrado. Depois ele foi até a porta e a trancou.
Eu olhei à volta do chalé e havia muitas estátuas à minha volta de cera. Fiquei curioso e quis perguntar.
- O senhor que faz essas estátuas?
- Isso mesmo - ele respondeu sorridente.- São lindas, não são?
Eu olhei novamente a elas e eram mesmo incríveis.
-Parecem reais- eu falei. - O senhor pode me passar o telefone?
-Claro - ele respondeu.
O senhor foi até o aparelho e o pegou para mim.
Sorri aliviado. Confesso que aquele chalé cheio de estátuas de cera estava me dando calafrios.
Peguei o telefone e coloquei ao pé do ouvido.
-Está mudo- eu falei.
-Verdade. Não funciona.
-O senhor tem outro telefone?
-Tenho meu celular.
-O senhor me empresta?
-Só depois que eu acabar.
-Acabar o quê?
-Você.
-O quê?
-Você será uma linda estátua de cera para minha coleção.
Fiquei em pânico. Meu Deus do céu! Eu estava preso com um velho louco. Ele percebeu meu terror.
-Por que está tão nervoso. Você faz o mesmo com seus insetos? Deixa-os preso no seu quarto. Eu o observo você faz tempo! É muito habilidoso nas trilhas. Achei que nunca iria te pegar, mas enfim você se distraiu e caiu na minha armadilha. Sabe, eu achei que iria apreciar minhas estátuas. Como pode ver, eu sou colecionador como você, mas eu coleciono pessoas dentro da minha casa.
Em um ato de desespero me joguei no chão e me arrastei até a porta. Ele foi até mim e pelas pernas eles me arrastou de volta até a cadeira.
-Sabe é melhor você ficar quietinho. Eu prometo que não vai doer.
O velho colocou um lenço sobre minha boca e eu desmaiei.
Senti a cera quente sobre a minha pele e a dor era imensa. Em poucos segundos tudo o que eu pensava é que eu queria nunca ter prendido meus insetos naqueles vidros.
-Eu juro. Eu solto todos eles. Eu juro. Só chama a minha mãe - falei sem saber o que estava dizendo, mas rezando para que fizesse sentido para aquele velho.
-Desculpe, esse discurso não vai colar. Há tempos eu estou de olho em você. Estava te esperando e nem adianta chorar, pois eu não vou te soltar!
-Vão te pegar, seu velho maluco!
-Assim como eu peguei você? - Ele riu com desdém.
-Pior! Bem pior! Você vai ver! Minha mãe vai me achar - afirmei sem convicção, pois sabia que minha mãe não me procurava até eu voltar em casa quando escurecia. Talvez de noite ela viesse, se não tivesse muito medo. Eu iria rezar.
-Pode ser! - Ele gargalhou feito louco. - Mas acho difícil. Sabe, muitos encomendam minhas estátuas. Elas são muito perfeitas. Daqui a pouco você nem estará aqui...
-Eu imploro.
Ele disse um seco não.
Pouco tempo depois, eu estava preso aquela casca de cera, sem poder me movimentar. Paralisado, mas vivo.
-Em uma semana tudo terá passado. - Ele piscou para mim.
A dor da perna tinha sumido completamente, acho que era desespero. Passei em claro a minha primeira noite de terror, quando vi os primeiros raios de sol eu comecei a me acalmar, eram como um sopro de esperança. Um barulho de batidas fortes na porta, me despertou de meus pensamentos. Reconheci a voz.
-Bom dia! Estou desesperada. Meu filho sempre passeia por aqui, sabe é um garoto de dez anos. O senhor o viu?
- Não- ele respondeu friamente.
Quis gritar e não consegui. Tentei de novo e, por Deus, um som saiu da minha garganta. O policial que estava com a minha mãe forçou a entrada e minha mãe magicamente me localizou entre as inúmeras estátuas.
Ela gritava e chorava, arranhando a cera para quebrá-la. O policial imobilizou o velho psicopata sem dificuldades.
Por baixo da cera gelada, eu chorava de alegria. No hospital, eu fui libertado da minha prisão de cera. Mamãe ao pé da cama chorava emocionada.
Eu nunca mais fui o mesmo depois daquele halloween. Não que eu me importasse, mas eu acabei ganhando um celular com dez anos de idade. Minha mãe nunca mais reclamou de ter criança dentro de casa.

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