- Tem certeza que não quer jogar pôquer? - questionou Lizzy mais uma vez ao chegarem em seu apartamento, logo após o fim da exposição. Ela olhava para Jack como se houvesse algo de errado em seu rosto, ou pior, nele.
- Não, eu... Eu preciso dormir um pouco. Você se importa?
Por mais insano que fosse o segredo que Jack guardou por toda vida, a ideia que lhe arrebatou no museu não saía de sua mente. Mais do que ninguém, ele sabia que até as impossibilidades tinham limites. Só havia uma pessoa que poderia aconselhá-lo sobre isso.
Lizzy parecia desconfiada, tentando com todas as forças entender o que acontecia com o jovem. Ela riu e cruzou os braços, franzindo a testa.
- Sem problemas. Vou aproveitar e começar o trabalho da faculdade.
Jack tentou esboçar um sorriso sem muito sucesso quando ela atravessou a sala pequena, desviando dos móveis usados de madeira, para chegar ao seu quarto. Antes de adentrar o cômodo, Lizzy se virou para ele uma última vez.
- Jack, você está bem? Mesmo? - ela soava realmente preocupada.
Essa era uma ótima pergunta, ele pensou. A história da mulher suicida, o colar e seu próprio mistério... Tudo era uma massa cinzenta pesando como concreto injetado aos poucos em seu crânio, impedindo-o de pensar em qualquer coisa além disso. Jack não estava bem. As mãos formigavam, a barriga zunia, o coração corria e as bochechas esquentavam. Ele também não estava mal.
- Estou sim.
Ao menos Lizzy conseguiu esboçar algo mais próximo de um sorriso se comparada à Jack. Assim que ela deu meia volta e fechou a porta atrás de si, o pintor correu para o banheiro, trancando-se por dentro. Inspirou, expirou. Ele perdeu a noção de quantas horas ficou lá; mesmo que pudesse ter passado apenas alguns minutos, pareceu uma eternidade. Talvez Lizzy tivesse pegado no sono, também não ouvia nada vindo de seu quarto pelas finas paredes do edifício.
O que era esse desconhecido? O que, por Deus, seria esse querer emergencial que o colocou ali, prestes a fazer exatamente aquilo que há tantos anos evitava?A história de Rose girava pelos seus olhos, por seus pensamentos, tudo ilustrado por aquele colar. Ele sentiu algo de diferente nele, algo místico. Se alguém poderia notar algo que beirasse o sobrenatural em um lugar, esse alguém era ele. Jack, afinal, era um Lake Dawson.
O banheiro começou a lhe parecer claustrofóbico o suficiente para um ataque de pânico. Para seguir com o plano insano que lhe apeteceu, ele precisaria se consultar com seu velho guru. Era estranho lidar com a pressão de resolver tudo o mais rápido possível ao lado de considerar as possíveis consequências de seus atos dali em diante. Jack poderia perder todos que amava só por uma loucura repentina que mal entendia ou sabia explicar.
Ele sentiu um puxão no estômago só de pensar nisso e ficou parado por mais um tempo impossível de calcular no toalete. Talvez esse fosse mais um truque cruel do destino, pensou. Perdurar segundos, minutos, horas, tão somente a fim de prolongar o sofrimento alheio o quanto quisesse. Jack concluiu, baseado em experiências anteriores, que era bem a cara do destino fazer isso.
Quando se viu preparado, tocou no interruptor e a luz se apagou. O toalete de ladrilhos azul-bebê vertera-se em breu, a reles iluminação abrindo caminho com dificuldade pelas frestas ao redor da porta.
Jack se posicionou atrás dela, fechou os olhos, pôs as mãos em punho ao lado do corpo e mentalizou a data para onde - melhor, quando - queria ir. As sensações inquietantes aumentaram, mas ele se controlou até cessarem. Para um viajante do tempo, Jack Dawson sempre soube lidar com suas emoções, ao menos até agora.
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Homem ao Mar
FanfictionJack Lake Dawson é um estudante de Artes que vai passar a Páscoa com sua melhor amiga em Southampton, uma cidade a sudoeste da Inglaterra. Para cumprir uma tarefa da faculdade, ela o leva ao museu local, onde uma joia misteriosa e sua história afeta...