CAPÍTULO 2

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Depois de tomar os três últimos comprimidos da cartela, preparo o café da manhã, coloco a mesa e procuro meu namorado para comer comigo. Imagino que já esteja acordado, não me lembro de ter o visto dormindo quando acordei.

Ele não está no meu quarto, nem no banheiro e nem na sala. Thiago não costuma frequentar qualquer outra área da casa, então presumo que tenha saído, o que é estranho porque ele sempre acorda cedo, mas nunca sai logo ao acordar.

Tentei ligar algumas vezes, mas foi inútil porque cai direto na caixa postal. Decido então esperá-lo enquanto faço um bolo de chocolate. Ele anda com um péssimo humor nos últimos dias e tem sido extremamente difícil agradá-lo. Talvez se eu servir seu bolo preferido quentinho quando chegar, ele fique pelo menos um pouco contente.

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Longas horas depois, Titi chega energizado com duas sacolas penduradas no braço esquerdo e contando uma boa quantidade de notas de cem reais.

_Bom dia. _ cumprimentei.

Acho que ele não me ouviu, mas não repito. Não quero irritá-lo logo agora que parece estar feliz, então fico em silêncio esperando que diga alguma coisa.

Ao terminar de contar o dinheiro, ele vai até a cozinha, deixa as sacolas em cima da mesa e vai até mim.

_ Bom dia, mama. _ Ele me agarra pela cintura, desce as mãos pelas minhas costas e começa a beijar meu pescoço. Suas mãos me apertam um pouco demais enquanto sinto cheiro de cigarro em seu cabelo.

Penso em me afastar, mas, da última vez que me afastei, fiquei em tratamento de silêncio por umas duas semanas. Não quero que pense que não gosto dele, então o deixo me abraçar, limpo a garganta e pergunto:

_ O que tem nas sacolas?

_ Cachaça do chefe e pão francês._ ele responde e me dá um último beijo no ombro antes de finalmente me soltar- eu o amo, mas acho que ele não tem consciência de como é forte. Às vezes esses puxões pela cintura acabam me machucando. _ Já tomou café?

_ Ainda não. _ respondo _ Estava te esperando. Fiz bolo de chocolate. _ dou uma piscadinha e vou até a cozinha tirar o bolo do forno já apagado. Coloco o bolo na mesa enquanto ele me encara_ Vai querer? _ pergunto, sorrindo com um pratinho na mão.

Thiago vai até a mesa e se senta em silêncio, enquanto eu o sirvo com uma fatia generosa de bolo, torradas com geleia de morango, uma caneca de café com leite e pão com manteiga.

Ele toma alguns goles do leite e franze a testa em desaprovação.

_ O leite está frio. _ reclama.

_ Ah, sim... É que eu preparei tudo quando acordei e você... _ Meu coração dispara imediatamente e eu limpo a garganta ao perceber como ele me fulmina com o olhar_ Bom, voc-você demorou um pouco para chegar, mas eu posso esquentar de novo, se quiser.

_ Já deveria ter feito isso. _ responde baixinho. Ele passa alguns segundos em silêncio enquanto esquento o leite de novo_ Ninguém merece tomar café com leite frio. _ acrescenta.

_ Eu sei, m-me desculpe. _ coloco o leite quente em cima da mesa e o encaro, esperando que tome um gole para que sua reação me diga se a temperatura do leite está agradável._ Eu não fazia ideia de quando você iria chegar.

Ele dá um gole no leite e continua comendo sem falar nada.

_ Está bom? _ pergunto, sem conseguir controlar o tremor em minha voz.

Ele me olha de canto e faz que sim com a cabeça enquanto mastiga. Não é bem uma resposta, mas suspiro aliviada enquanto me sento para comer com ele.

Alguns segundos de silêncio constrangedor fazem com que minhas mãos fiquem suadas e minha respiração acelera como se tivesse corrido uma maratona.

_ Então... Onde estava? _ pergunto, tentando puxar assunto.

Limpo a garganta.

_ Por que quer saber? _ele pergunta como se eu o tivesse insultado.

_ N-nada... só... curiosidade.

Abaixo a cabeça e olho para a caneca que ganhei dos meus alunos no dia dos professores do ano retrasado. Está escrito: Lágrimas dos meus alunos (mentira, é café). Não contenho um sorriso de canto ao ler e lembrar desta turma... O primeiro ano do ensino médio e eu vivemos altas aventuras. Sinto falta de dar aula. Faz quase um ano que parei de trabalhar para cuidar de casa depois que Thiago passou a morar comigo.

_ Estava jogando. _ responde depois de alguns minutos, interrompendo meus pensamentos. Levei uns segundos para lembrar do que estávamos falando.

_ Truco?

_ Sim.

_ Hum.

Titi joga truco com seus amigos. Eles apostam dinheiro e garrafas de cachaça. Eu costumava jogar também, mas Thiago não se sentia confortável. Ele diz que truco não é um jogo para mulheres como eu, seja lá o que isso quer dizer.

Apesar disso, ainda jogo com minha irmã, Margot e meus amigos. Meu namorado não gosta muito, mas Marg me defende com unhas e dentes (às vezes, garfos) quando está por perto. Ela diz que não vai deixar nenhum homem acabar com uma tradição de família.

Margot e eu costumávamos jogar truco com nossos pais toda sexta- feira numa mesa cheia de refrigerantes e pizza. Minha mãe era brasileira e nos ensinou a jogar. Ela jogou truco paulista a vida toda, era seu jogo preferido. Consequentemente, era muito boa. Conhecia todos os tipos de sinais, truques e maços. Dependendo da sua disposição, ela tinha cartas nas mangas.

Literalmente.

Mamãe era excepcional. Sempre tratou minha irmã como se fosse sua própria filha. A mãe de Margot se divorciou do meu pai dois meses depois de seu nascimento, a deixou com o papai e simplesmente sumiu. Pelo que parece, ela deve ter passado um tempo no Texas e depois saiu do país, mas não importa. Ela nunca voltou para ver como a filha dela estava. Depois de tanto tempo, acho que é até melhor que continue assim.

_ No que está pensando? _ Thiago pergunta.

_ Hoje é aniversário da Marg.

Ele revira os olhos.

_ Vou me encontrar com ela na Pizza da Mooca.

_ Que horas? _ questiona com um longo bocejo.

_ Às 18h. Mas vou passar na farmácia primeiro. Vou comprar umas aspirinas.

_ De novo? _ ele pergunta, levantando as sobrancelhas de forma que não sei se está irritado ou preocupado comigo.

_ Sim... _ suspiro _ Minhas dores de cabeça estão cada vez mais frequentes.

_ Gente louca é assim mesmo. _ debocha.

Abaixo a cabeça e como um pedaço de bolo, sentindo meu rosto corar.

_ Ei , gata. _ Ele coloca a mão na minha coxa e a aperta suavemente. _ Tava brincando. Eu levo você.

_ Obrigada. _ respondo com um sorrisinho sem graça.

Ele dá a última garfada no bolo, se levanta e sai em direção à sala, me deixando sozinha na mesa enquanto termino de comer. Começo a tirar a mesa e limpar a cozinha quando escuto Thiago ligando a TV.

_ Cadê você, mama? _ ele me chama como um adolescente que convida alguém para "ver um filme" em sua casa.

Ele faz uma pausa.

_ Estou te esperando. _ diz. Dessa vez, como se fosse uma ordem. Sua entonação é inquestionável.

Eu gostaria de ter uma boa desculpa para sair dessa agora, mas não é o caso e eu não quero desapontá-lo de novo, então termino de limpar rapidamente e vou até ele.

A Rosa VermelhaWhere stories live. Discover now