Onde o número dezenove se repete.

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Algumas pessoas agradecem por estarem vivas, principalmente em uma época cheia de frutos e paz, contudo, Chuuya Nakahara não era um deles. Ele não era nem de longe um suicida que se interessava em se jogar em pontes ou questionar o porquê da existência humana, mas também não era um fã maluco pela vida. Talvez, isso se desse por conta de como suas mãos estavam sempre com calos e seu cabelo ruivo quase sempre manchado pela sujeira do tempo. Agora, com seus sapatos ralos se afundando na terra molhada e numa estrada solitária, era um momento onde se questionava o porquê do seu coração bater e suas costas doerem; algo importava? A resposta veio com um trovão tão forte que deixaria o tímpano de qualquer bastardo quebrado, menos o dele, ele já estava acostumado com sons altos ao ponto dos seus ossos não tremerem. Era um poeta, um questionador, um homem que carregava uma pequena bolsa com tecido podre sobre os ombros e tentava de alguma forma ganhar a vida — inutilmente. Em outras palavras, aos olhos dos curiosos, não era nada além de um inútil.

Talvez o tempo concordasse com essa conclusão, pois logo depois do rapaz dar um longo suspiro irritado pingos grossos de chuva começaram a cair como se aquele fosse o fim do mundo. Chuuya fingiu não se importar com aquilo, pensou que talvez os Deuses pudessem ser benevolentes se ele fingisse pouco caso, mas não tardou nem mesmo sete minutos para que a chuva apertasse mais ainda e o encharcasse por completo. Ele não precisou levantar os olhos para notar estar numa estrada vazia e provavelmente abandonada, onde carroças não se faziam presente há um bom tempo e nada restava além de alguma memória escondida entre o longo mato que subia gradualmente em suas canelas e coxas. Era incrível como sua sorte piorava.

No entanto, não podia se dar ao luxo de recuar e voltar para onde saiu também, como um bom azarado que era. Na verdade, estava retornando de mais uma de suas longas viagens entre cidades para vender seu trabalho em feiras, mas como sempre não resultou em nada além de dois compradores — sendo um deles um homem apertado para fazer suas necessidades e sem um material digno para se limpar —, portanto sentia estar voltando para a casa com as mãos vazias. Isso é, também não podia chamar aquele lugar onde abrigava seu corpo do frio de casa, pois não passava de um galpão fedorento e mofado sem luxo algum, tirando pelo colchão de feno nada confortável e sua mesa construída com suas próprias mãos.

— Ainda é um lugar— Murmurou para seu próprio pensamento mesquinho torcendo o nariz.

Chuuya não gostava de reclamar, não se achava no direito, e se pudesse pelo menos enfiar um pão duro na boca e conseguir mastigar, então fingia estar contente e seguia sua rotina e vida. Por isso, ele tentou não se incomodar em como seus sapatos agora se afundavam na terra e como seu estômago roncava, também largou de lado suas inseguranças sobre pegar um resfriado e continuou seu caminho. Estava entardecendo e não chegaria na mansão de Nathaniel antes de sete horas, a jornada era longa e cansativa, então contentou-se em manter firme nos pés. Era necessário usar a mão para jogar de um lado ou outro os matos que cresciam mais, e também era necessária uma boa visão quando a luz do dia sumiu e se escondeu, dando espaço para a Lua — mesmo que essa não fizesse muita questão de sair detrás das nuvens pesadas.

A vida de um poeta era difícil, talvez fosse para qualquer pessoa que quisesse seguir o caminho da arte, mas não era rico. Sentia as dificuldades batendo contra suas costas assim que colocasse os pés para fora de casa. Seja viajar por horas em direção a um rumo novo e retornar para seu emprego desgraçado, ou então se ajoelhar para comprarem seus poemas, de qualquer forma, era desumano. Chuuya desde muito novo pensou que algumas coisas eram assim, daquele jeito, mas conforme crescia notava que tudo por trás tinha um motivo e se ele estava sentindo suas roupas colando contra sua pele enquanto um pianista filho de papai estava no conforto de sua casa se treinando para um concerto, era porque tinha um motivo bem nítido e explícito. Pessoas falavam ser uma era de paz após tantos anos de guerras e desavenças, ele concordava, contudo, também tinha consciência que apenas um lado se beneficiou com a falta de guerras e pode finalmente se reerguer, enquanto outro ficou para trás. Apesar desse questionamento irritante perpetuar em toda sua jornada, sua personalidade como rebelde e até mesmo revolucionário havia morrido fazia um bom tempo, ele não tinha mais vontade de lutar contra os grandes e escolheu apenas trabalhar para eles, assim era melhor. Muitas vezes, calar-se era melhor, pelo menos tentava se contentar com isso.

Inferno Divino (Soukoku)Onde histórias criam vida. Descubra agora