The Ghost Of Surrender

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Me lembro com um requinte de detalhes assombroso de estar fazendo o almoço, a televisão ligada em um volume alto para ouvir o jornal que chegava ao fim, significando duas horas da tarde. A panela de pressão bem ao meu lado chiava mais que tudo, nem as borbulhas do arroz eram ouvidas, talvez só o som da faca cortando lentamente a cebola. Além disso tudo a única coisa sentida era o embaçar das paredes com o vapor e o esquentar da cozinha inteira.

As janelas da pia escancaradas deixavam o ar fluir em brisa e o sol iluminar de forma agradável, quase como uma carícia do céu, típico de primavera. Lá fora parecia silencioso, havia pouco movimento no parque mais adiante da linha do trem, daquele lugar eu tinha uma vista privilegiada das árvores e das crianças de e quando o trem passava.

Meus vizinhos não eram incômodos, os muros eram altos, a maioria eram de aposentados e todos eram tão discretos quanto eu, o subúrbio de Busan poderia ser meio estranho as vezes, mas da minha casa para dentro era um outro mundo, meu mundo particular separado por um portão pequeno, que da rua parecia ser de um cubículo, mas que se estendia até os fundos depois das escadas de entrada, a quase um casarão, com chãos de taco, silêncio, intimidade, aconchego e claro solitude.

O dia parecia tão comum como qualquer outro, abstraindo a parte ao qual percebi que o destino era mais pontual que um relógio.

Havia ganho um timer em formato de galinha certa vez de aniversário, minha mãe quem deu, ele ficava em cima do porta papel toalha ao lado das outras especiarias, se encontravam todos ao lado esquerdo da pia, grudados na parede, enquanto o fogão ao lado direito. Eu ainda estava cortando outros legumes na tábua com a mesma concentração de sempre, quase nunca eu me lembrava de apagar o fogo das coisas por me envolver demais nos outros processos ou em minha mente, então o presente veio a calhar, o processo de cortar não é trabalhoso, em determinado ponto você apenas segue sem nem olhar, foi quando estava imerso em pensamentos como de costume que o timer me lembrou da panela, apaguei-a e tirei a pressão debaixo da água, no instante que o chiar passou e eu a coloquei de novo no fogo, meu celular começou a tocar.

Às vezes sinto que faz o mínimo de sentido até as coisas mais simples do mundo terem uma quase inexistente vontade própria, ao mesmo tempo que soa bizarro. Então é desnecessário dizer que tenho essa sensação em determinados momentos como aquele, porquê quando o celular tocou ele parecia vibrar mais forte, mais ansioso e com a música mais alta, o ritmo de "cowboy like me", era a única naquilo tudo que ainda parecia igual.

Ao observar o número desconhecido que me ligava, relutei em atender porquê números desconhecidos sempre são irrelevantes, e mesmo sabendo disso um impulso ignorou tal coisa enquanto guiava o celular em direção a orelha nos segundos seguintes, e entre atender e ouvir, eu voltei.

Uma voz do outro lado apenas disse:

"Senhor Jeon?"

Algumas coisas que aprendemos cedo na vida - dependendo, claro, do seu status e de onde você veio, - é de que estranhos não são confiáveis e que se alguém liga te chamando pelo nome completo ou com um pronome de tratamento antes do sobrenome, algo está completamente errado ou você está com problemas.

Nunca há um meio termo entre isso.

Eu apenas disse um inseguro e desconfiado "sim, sou eu" e o estranho do outro lado se apresentou:

"Boa tarde, meu nome é Min Yoongi e sou do "Serviço de Seguros de Vida de Ilsan", recomendo que o senhor sente-se para ouvir as notícias que temos."

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