RÍTIMO CARDÍACO

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Me levanto com calma da cadeira, seguro a respiração na garganta, ela faz força para sair por qualquer lado que seja, faz força contra os meus músculos, mas eu seguro e solto com calma. Cada centímetro do meu pulmão lateja, mas me levando com cuidado para não ser notada, mantenho no rosto o mesmo semblante de sempre e me viro para trás, em direção à porta, contando os passos.

Mantenho os olhos fixos nos pisos rústicos no chão, em formato de madeira que se moviam depressa seguindo o meu caminhar. Ergo a cabeça apenas o suficiente para visualizar a porta, torcendo para que as gotas de água que se formaram no canto de meus olhos não caíssem até que eu chegasse a meu destino.

O ambiente ao meu redor se mantém, nenhuma mudança, nenhuma pausa, com exceção do baixo barulho de uma cadeira sendo arrastada atrás de mim, assim que cruzo a porta. Mas não posso ver o que vem a seguir, por que logo que saio daquele ambiente, acelero o passo mais e mais, até que estou quase correndo, a caminho do banheiro, sempre com a cabeça baixa, sempre segurando a respiração que lutava contra minhas vísceras.

Entro pela porta do banheiro com pressa para a porta que dá ao vaso sanitário. Abaixo a tampo e sento em cima, me dobrando sobre as minhas pernas. As lágrimas começam a rolar com pressa, e a respiração, que tive êxito até então de manter um ritmo estável, agora corre desenfreada, como se precisasse de mais para que eu sobrevivesse. Mas eu sabia que não precisava. Sabia que estava doente, e meu corpo parecia não perceber. Sabia que meu cérebro continuaria me manipulando a passar por aquilo de novo e de novo, até que finalmente algo mudasse. E apesar de eu não esperar que nada mudasse, ouço a porta do banheiro se abrir.

Me encolho mais sobre mim e tiro meus pés do chão, o apoiando também sobre o vaso. Diminuo meus ruídos que, apesar de achar que estavam baixos, finalmente pude notar que eram audíveis, como se estivesse correndo uma maratona, como se tivesse visto alguém morrer. Tento fazer o máximo de silêncio para não ser notada, e sou retribuída com mais silêncio. Contudo, logo ouço passos, e vejo a pessoa vindo em direção à porta em que eu estava e se sentando em frente a ela. Pelo vão entre o chão e a porta a minha frente, eu podia ver parte de suas costas e sua mão apoiada no chão. Reconheci a parte que podia ver de sua figura, e me concentrei nela. Notei nada detalhe, cada cor, cada traço visível, até que minha respiração já fosse uma parte imperceptível de mim, até a minha visão parasse de girar, até que o nó que se acumulava cada vez mais em minha garganta se desfizesse como uma linha que nunca devesse ter sido amarrada. Continuo focada na barra preta da jaqueta azul que encostava no chão, nas mãos que deitavam sobre o chão com grosseria enquanto seu dedão roçava no zíper redondo, acobreado com formato de caveira. Enquanto isso, sou respondida com silêncio. Apenas um profundo e reconfortante silêncio.

Alguns minutos depois, quando meu coração já podia bater sem pressa e minha mente podia funcionar sem a influência da adrenalina, deixo de abraçar as minhas pernas e coloco os meus pés sobre o chão. Espero por alguns segundos, até que vejo a figura, que permanecia sentada em frente a porta, se levantar. Espero alguns segundos, sem coragem de sair com os olhos inchados, e a figura simplesmente sai.

Fico por um tempo sentada, refletindo sobre o que acabou de acontecer, até que saio e ele não está lá. Vou em direção à pia e, evitando olhar para o rosto que me encararia de volta no espelho, lavo meu rosto.

Ando com calma de volta para a sala de aula, e tudo está do mesmo jeito que eu deixei. O professor em seu monólogo, cada indivíduo sentado em suas carteiras, muito absorvidos em seus próprios pensamentos para se importar com qualquer coisa que tenha acontecido ao seu redor. Até que vejo a jaqueta azul com a barra preta sobre os ombros que se dobravam em cima da carteira, como se estivesse dormindo. Caminho em sua direção e vejo o zíper redondo, acobreado com formato de caveira em cima de minha carteira, na sua frente, como se não tivesse sido arrancado a força minutos antes. Deitado, me esperando.

Me sento em meu lugar e pego aquele zíper, que mais parecia um pingente, e que provavelmente me salvaria algumas vezes mais. A pessoa atrás de mim não se moveu, mas eu pude ouvir um barulho baixo, quase que imperceptível. Meu coração que agora a pouco batia e lutava para me atormentar, agora batia de leve, mas me incomodava. Sempre que eu tocava aquele pingente, meu coração batia.

One Heart BeatOnde histórias criam vida. Descubra agora