aquarela de sangue

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Capítulo 1

Naquela manhã rotineira acordei abrindo os olhos lentamente, olhei ao redor me deleitando ao ver as pilhas de livros espalhadas pelo quarto e me lembrando dele e de como me fascinava saber que ele um dia lera todos aqueles livros dos quais eu ainda tinha lido apenas uma minúscula parcela, alguns romances, livros de política, de forma que eu sempre lembrava não só dá idéia, e sim do homem também, e de tudo aquilo que deixara quando partiu.
Me levantei em meio aos pensamentos e devaneios de um amor pouco explorado e prematuro já morto no ninho, apesar de eu não concordar totalmente com essa afirmação que acabei de fazer, pois o amor é algo que não morre, e se morreu, definitivamente não era tal. Caminhei até o banheiro com os pés descalços e eu podia senti-lo, sua respiração calma, sua gentileza e elegância ao andar, e em pequenas coisas que fazia com graça, quando cheguei ao banheiro, abri as torneiras da banheira e esperei encher enquanto lia uma revista que eu mesma havia colocado mais cedo no suporte de leitura, olhando as notícias sobre o dia do "V", com meus olhos marejados e já com a banheira cheia adentrei deixando a revista no chão com o intuito de esquecer de tudo aquilo e finalmente me desmanchar na água, era aquela, era a hora… Hora essa de me juntar a ele onde quer que estivesse, a lâmina já estava empunhada, e descia com graça pelos meus pulsos que por consequência ficavam rapidamente embebidos em sangue e escorriam pelas água como aquarela, logo meus olhos marejados foram se fechando e nada mais fazia sentido, sem arrependimentos, sem remorso, sem amor… Sem ele. Eu estava passando pelo túnel escuro e a passagem da vida para a morte.

-Acorde. - disse uma voz grave, com a mesma elegância e graça que a dele.

Minha visão ainda embasada ia revelando aos poucos a silhueta de meu amado, era V. Porém eu não parecia ter morrido, nem ele.

-V-v…- disse gaguejando e finalmente vendo a silhueta completa enquanto lágrimas brotavam.

Olhei para meus pulsos e estavam costurados, V estava de avental e luvas de cozinheiro.

-Que tal pão com ovo e manteiga? - disse o mesmo se levantando e segurando minha mão.

Levantei meu tronco, mas eu estava muito cansada, devia ter perdido muito sangue e de certo me senti confusa com a situação que me encontrava, meus olhos não paravam de lacrimejar e logo desabei em choro, soluço e alívio por estar com ele novamente. O abracei.

-O que aconteceu? Como sobreviveu?.

Eu tinha tantas perguntas.

-Não há tempo para perguntas, está na hora do café, e a mocinha precisa se alimentar.- retrucou o mesmo retribuindo o abraço e fazendo ranger o couro de suas luvas em torno de minha cintura.

O mascarado segurou minha mão e me ajudou a caminhar até a cozinha, senti o cheiro da torrada com manteiga e o estralar do ovo na frigideira, meu estômago roncava.

-Estamos no céu?- Perguntei atônita me sentando à mesa

-Se céu é a sua percepção de felicidade e estar comigo é algo feliz para você, podemos dizer que sim, ambos estamos.- V parecia brincar com as palavras.

-E-então… e-eu morri?- gaguejei

-Não.

-C-omo? e-eu…

-Você é sempre tão curiosa, que tal um pouco de chá?- Perguntou o mascarado pegando duas xícaras e as preenchendo elegantemente com chá, já prevendo minha resposta a sua pergunta.

Peguei a xícara e soprei o vapor e inalei todo aquele aroma doce e quente enquanto fitava ligeiramente desconfiada. O mesmo parecia não observar meus olhares e continuou tomando chá com o mindinho levantado e as pernas cruzadas.

-Por que fez aquilo Eve? Cortou os pulsos, não é você que deveria estar desconfiada com algo…

Levei um susto com tal afirmação e acabei queimando a boca com o chá quente.

-A vida não ficou nada fácil depois que você se foi- Falei com a voz embargada e logo meus olhos começaram a marejar.

-Está tudo bem, agora eu estou aqui e você está aqui- Retrucou o enigmático V.

-Eu quero saber por que demorou tanto para vir, essa é sua casa, suas coisas.

-Nossa casa, nossas coisas. E até onde me lembro, deixei tudo isso para você.- V se inclinou deixando a xícara no pires e me olhando atentamente.

-Touché!

Me levantei da mesa e caminhei em sua direção, sentando com ternura em seu colo com as duas pernas juntas de lado e abracei seus ombros.

-Então se está tudo bem, eu posso…- Me aproximei dos lábios da máscara e fechei meus olhos deixando meus lábios entreabertos.

Senti o ferro gelado de sua máscara e logo em seguida senti um empurrão no peito.

Volte Eve…

Volte Eve…

Algo puxou meu corpo todo para a escuridão e quando abri meus olhos havia uma luz embaçada muito forte, parecia uma lanterna, senti todo o peso do meu corpo e não parecia conseguir sustenta-lo em pé, foi então que meus olhos desembaçaram e eu vi um homem de cabelo castanho, olhos azuis, parecia italiano, estava contando algo no relógio, eu sorri para ele e ele parecia estar aliviado por algo. Derrepente senti meu corpo gelado, molhado e quando olhei para os meus pés eu estava na banheira, com os pulsos cortados e a água escarlate.

-Graças a Deus..- Suspirou aliviado o homem.

Eu sentia tanta sede, e meus olhos foram fechando… E fechando….











Espero que gostem, obrigado por ler até aqui.

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