- Olha... Acho que você vai ter que se esforçar um pouco mais pra te fazer sair daqui.
- Como assim?
- Parece que algumas coisas que você me contou estão muito incompletas... Tem como me contar um pouco da sua infância?
- Bem... Pulando a parte que eu não lembro, eu comecei a criar um bom vínculo com minha irmã lá pelos meus cinco anos. Ela era bem atenciosa, cuidadosa e responsável. Era uma pessoa incrível. Antes eu tivesse um motivo pra não gostar dela, mas hoje em dia eu tenho uma certa repulsa justamente por ela ter sido perfeita demais. É meio difícil de acreditar que ela se foi. Sei que é errado sentir raiva por isso, até gostaria de não sentir e me sinto um pouco mal por me sentir assim pela morte dela, mas apenas sinto e não consigo mentir pra mim mesmo.
Também lembro que minha mãe era uma pessoa que vivia estressada por onde quer que fosse. Eu acho que ela também se incomodava com a ausência do meu pai. Ela sempre dizia que ele havia abandonado a gente, mas nunca consegui sentir raiva dele. Era estranho, mas eu nunca tive lembranças ruins com ele. As vezes que tive com ele, foram as mil maravilhas. Minha irmã também adorava ele, sempre sorríamos com ele, juro que meu pai não parecia essa pessoa ruim que minha mãe tanto falava.
Por um tempo, pensei que minha mãe fosse uma mentirosa, mas aí aconteceu algo bem bizarro. Um dia vi minha mãe chorando sentada na mesa enquanto meu pai gritava. Eu realmente não entendia o que estava acontecendo, sequer sei o que eles falaram. Naquele dia, eu havia ido dormir com medo e pela primeira vez, nem meu pai ou minha mãe vieram me confortar. Quem veio para meu quarto falar comigo foi minha irmã. Ela me disse que iria ficar tudo bem e que eu não deveria me assustar com o que estivesse acontecendo ali. Se ela tivesse me dito a verdade, talvez eu não me sentisse desse jeito a respeito dela hoje em dia. Juro que tento entender esse meu sentimento de várias maneiras, mas simplesmente não consigo.
Depois de algum tempo, meu pai foi embora pela porta da frente e nunca mais vi ele morar com a gente. Foi um dia meio doloroso e esquisito. Quando ele foi embora de casa naquele dia, sabia que ele não iria voltar. O que houve naquele dia eu não sei, mas pelo que parecia, meu pai apenas não queria mais voltar para perto da minha mãe. Não houve gritos, barulho... Nada. Meu pai simplesmente atravessou a porta da frente e foi embora. Ele nem se despediu de mim, mas eu sabia que não iria voltar. Por mim, eu iria morar com ele, não que eu não gostasse da minha mãe, mas eu realmente não me sentia muito bem com a falta do meu pai. Foi quando percebi o quanto uma casa grande pode ser espaçosa, ele realmente fazia falta por lá.
Se eu pudesse escolher, acho que eu viveria só metade do que vivi para ter mais tempo com meu pai. Eu realmente não gosto da minha vida como está hoje. Fico por aqui, tenho saudade de ver desenhos na televisão, assisto algumas aulas bem preguiçosas e volto pra cama. se tem uma coisa que eu tenho vontade, é voltar para aquele acidente que levou minha família e ficar no carro para ir junto com todo mundo.
Minha irmã parecia ser mais esperta que meu pai. Ela sempre dizia para minha mãe e para meu pai se entenderem e pararem de brigar pra, quem sabe, voltarem a morar juntos. Era uma sensação diferente pensar em nossa família reunida de novo. Me deixava feliz imaginar que talvez podemos voltar a como era antes. Eu tinha um pouco de medo das brigas voltarem, mas acho que isso não iria acontecer se meus pais voltassem a morar juntos.
Eu lembro que isso foi uma esperança até mesmo quando meu pai apareceu com outra pessoa. Eu dizia que estava triste por ele não estar com minha mãe, mas ele dizia que estar com outra pessoa não fazia ele não me ver. Acho que nunca acreditei nele... Estar com outra mulher sempre deixou minha mãe mais irritada, acho que ela tinha um motivo pra isso. Ela dizia que a nova namorada do meu pai era uma má influência pra gente e deveríamos parar de ver ele enquanto ele estivesse com outra.
Já minha irmã parecia gostar da namorada do meu pai, será que é possível trocar de mãe? Mesmo que fosse, acho que eu não gostaria. Gosto muito da minha mãe pra simplesmente trocar ela por outra mulher. Nem sei se essa outra mulher seria tão legal quanto minha mãe.
Foi meio chato quando minha mãe começou a trabalhar, minha irmã quem fazia o almoço e a janta. Parecia até que minha irmã era minha nova mãe, ela quem fazia tudo por mim. Minha irmã reclamava de vez em quando por estar sempre fazendo tudo, eu até pedia pra aprender a usar o fogão pra diminuir tudo que ela tinha que fazer, mas ela dizia que eu estava muito novo e que era perigoso. Pelo menos ela me deixava lavar os pratos. Eu me sentia feliz sendo útil.
Minha irmã também me protegia na escola, ela nunca deixou alguém me bater. No dia que me bateram, ela deu um chute no garoto e foi parar na diretoria. Nem sei como foi que ela não foi suspensa ou expulsa. Ela dizia que eu tinha que aprender a me defender, até acredito nela, eu sempre fui muito frouxo e nunca soube brigar. Sempre tinha medo de acabar levando um soco no meio da cara e tentava evitar briga, mas parece que tinha um garoto que sempre encrencava comigo. Ele me bateu porque eu havia passado o recreio conversando com uma amiga dele, mas como eu disse, minha irmã acertou ele com um chute em cheio e foi parar na diretoria.
Eu até entendo que é bom saber revidar um soco, mas o que eu iria provar com isso? O garoto que mais sabia brigar da escola era um completo idiota. Por que eu deveria saber dar um soco mais forte que ele? Qualquer idiota dá um soco mais forte que eu, mas nenhum deles conseguia fazer a mãe sorrir com um boletim como eu fazia.
Eu fui feliz na minha vida por muito pouco tempo, e nesse pouco tempo, eu era muito novo pra lembrar de alguma coisa. As coisas que me lembro me deixam mal de algum jeito, eu realmente não gosto do que sinto e me sinto pior ainda se começar a pensar em algum motivo pra estar assim. Sabe, todo mundo se esforçou para que eu fosse feliz e quando eu penso nessas pessoas, eu me sinto mal. É completamente esquisito... Por que eu me sinto tão mal?
Uma vez me disseram aqui que continuar vivendo seria uma forma de honrar minha família. Sequer sei o que significa 'honrar', acho que é algo bom e isso me faz sentir-me pior. Parece que é algo que eu também não tenho. Será que eu realmente sou uma pessoa ruim?
- Garoto... Você não é uma pessoa ruim, apenas está confuso com tudo que aconteceu. Amanhã eu volto para conversarmos mais.
- Espera! Não vai me levar hoje?
- Ainda não posso, mas irei te tirar daqui assim que puder. Enquanto não posso, vou aprendendo mais sobre você.
Ela sorriu pra mim enquanto saía da sala. Tomara que eu saia desse lugar o mais rápido possível. Faz tempo que não sei como é do lado de fora. Será que os garotos da minha idade são felizes? Será que eles também se sentem mal por alguma coisa que aconteceu? Eu ajudaria qualquer um que se sentisse como eu, realmente não gostaria de ver ninguém passando pelo que estou passando. Acho que é até mesmo uma ideia nova, talvez eu fale isso pra essa mulher esquisita amanhã. Como ninguém nunca pensou em ajudar pessoas como eu? Será que ela pensou nisso e está querendo me tirar daqui por se sentir como eu?
Acho até mesmo difícil, ela tem um sorriso no rosto mais brilhante que o da minha irmã. Ela parece mais feliz do que qualquer outra pessoa que eu já tenha visto, espero que ela consiga entender como eu me sinto e me tire daqui logo. Já conversei com algumas pessoas daqui, mas elas não parecem ser como eu. Juro que da última vez eu vi uma senhora tentando comer a própria mão. As pessoas daqui também são muito escandalosas. Até me pergunto se estou em um lugar para pessoas que se sentem sozinhas demais. Morrer para todos que estão aqui é uma esperança ou estão apenas esperando o dia para sair daqui como eu?
Se minha irmã tivesse comigo, acho que ela saberia o que fazer. Ela sempre foi muito esperta. Era a irmã mais velha e mais experiente, ela sempre soube como reagir.
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O Universo Colorido
RandomEsta história é uma continuação paralela do livro Incorretamente Vívido, já completo no Wattpad. Um garoto órfão de pais é encontrado por uma terapeuta que se diz ser um ser sobrenatural. A terapeuta, após algumas sessões, decide oferecer cuidados b...