Victorio não conhecia rituais negros. Era um homem simples e batalhador que seguira seus deuses até seu limite. Porém ele já havia ouvido boatos, pois eram assim que os seres sombrios agem, por meio de boatos e fofocas.
Victorio caminhou para dentro da mata fechada, seguindo as instruções que ele recordava. Quando tomou uma distância que ele considerava segura e isolada se agachou no chão e retirou uma faca de sua humilde vestimenta. O homem andava com uma daquelas pois naquelas terras era sempre necessário seu uso para caçar animais pequenos ou mesmo descascar uma fruta. Lentamente ele fez um corte no próprio palmo que, imediatamente, começou a sangrar. Depois disso tentou se lembrar de como formular uma frase na língua antiga que seu avô o tinha ensinado.
-Spiritus immundus, et veni in terram alluit sanguinem familiae vitam agere mecum. Obsecro.
O sangue regava o solo lentamente, porém nada acontecia. Desesperado se ajoelhou e repetiu as palavras na língua antiga. Suas unhas já adentravam a pele de sua mão. As lágrimas começavam a brotar em seus olhos de novo. Lentamente ele se levantou para retornar para frente do que, aparentemente, seria o leito de morte de sua família. Mas quando se virou acabou caindo para trás de susto. A sua frente estava um homem (ou ao menos assim aparentava) com um manto de pele que cobria todo seu corpo, inclusive seu rosto. O homem levantou a cabeça, deixando a mostra seus olhos vermelhos e seu crânio desprovido de pelo.
- O que desejas de mim ser asqueroso? – Perguntou de repente o ser – O que te faz pensar que pode invocar-me nessa dimensão suja?
-Peço perdão... ó grande mal - Respondeu se ajoelhando aos pés do demônio - O convoquei até aqui para lhe implorar que salve minha família. Não posso perde-la. Você pode salva-los não é?
O demônio sorriu para Victorio. O tipo de sorriso que dá medo até nos homens mais corajosos. Ao olhar para aquele ser obscuro era possível ver que aquela não era a verdadeira forma dele. Era como se sua pele retorcesse, como se tivesse lutando para se dissipar.
- Você sabe que seres como eu não faz favores em troca de suplicas – o demônio foi se aproximando de Victório até segurar seu queixo – Que preço estar disposto a pagar para realizar seus desejos? Que preço está disposto a pagar pela sobrevivência de sua família?
-Qualquer um. Peça me o que quiser! Só peço que salve minha mulher e meu filho em troca.
- Você está realmente disposto não é? Porém não tenho poder o suficiente para salvar sua mulher...
O demônio sabia que "milagrosamente" a mulher e o menino iriam sobreviver. Mas ele também sabia que o homem desesperado a sua frente não tinha essa informação. Esse era o motivo do sorriso no rosto dele. E foi assim que o demônio viu a brecha para plantar sua mentira. Pois é isso que demônios fazem de melhor. Mentem.
- Você tem de poder fazer alguma coisa. – Insistia chorando Victorio – Você é um demônio não é? Tem que haver um jeito.
- Lamento – Victorio não aguentava mais escutar aquela palavra – não posso salvar sua mulher. Ela está em um estágio próximo de mais da morte. Mas posso salvar seu filho. Basta saber se você conseguirá pagar o preço...
Victorio, que estava ajoelhado com o rosto encarando o chão, enxugou suas lágrimas e ergueu sua cabeça em direção ao demônio:
- Diga o seu preço.
-Primeiro você tem que saber que os seres de sua espécie são feitos de duas partes. A parte corpórea e a parte espiritual. Nós demônios não podemos causar desequilíbrio espiritual. Para evitar uma morte a alma dessa pessoa deve estar ainda acessível e seria necessário um sacrifício equivalente...
-Você quer que eu mate um animal, é isso?
- Não é tão simples. O corpo de seu filho ainda está "vivo", ao menos em parte. Sua vida corpórea poderia ser mantida caso ele se alimentasse de sangue diariamente. Porém para salvar a vida espiritual dele será necessária uma alma... – O demônio olhou bem nos olhos de Victorio – Será necessária sua alma.
- E do que serviria ele sobreviver ao parto se ele não teria ninguém para cria-lo? – perguntou o já conformado pai.
- É ai que entra sua esposa. Posso acelerar a passagem da alma dela, servindo de sacrifício temporário para a alma de seu filho... Quando esse tempo acabasse sua alma passaria a pertencer a mim e eu viria recolhê-la... pessoalmente – ao dizer isso ele sorriu novamente.
- Diga logo quanto tempo!
- Cerca de dez ciclos na contagem de sua espécie.
- O que aconteceria com alma de minha esposa? – perguntou Victorio
- Nada. Como eu disse eu só aceleraria a passagem dela. Já a sua...
- Não importa! Eu aceito – e ao dizer isso ele se levantou – Dez anos. É o que preciso com meu filho.
Depois disso o demônio cortou a própria mão (fazendo sua pele se contorcer mais ainda), de onde escorreu um liquido preto. O demônio e o humano apertaram as mãos (ambas cortadas) fechando assim um pacto de sangue.
Ao fim daquela madrugada ele ouviria novamente a palavra "lamento" sair da boca do curandeiro. Ouviria o mesmo dizer que não conseguiu salvar sua mulher. Porém seu filho tinha "milagrosamente" sobrevivido.
Ali começava a saga daquele homem para escapar de um pacto. Saga essa que não acompanharemos (com exceção de seu desfecho) pois o que realmente nos interessa é como a quebra forçada do destino dessa criança causará uma série de consequências... Como o amor à família de Victorio se tornou perigoso para pessoas que não tinham nenhuma ligação com ele. Como a vida de Vander Pires foi virada de ponta a cabeça...
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Brasillis - Exceções
FantasyToda lenda tem um início. E alguma dessas se originam de histórias reais. Explore a mitologia brasileira de uma forma nunca vista antes. A vida de Vander deveria ter sido tranquila e duradoura. Mas seu pai interferiu seriamente em seu destino causan...