O ar tinha amanhecido diferente, mais úmido, e o vento simplesmente não batia.
Já era hora de me levantar e me aprontar para a faculdade, era dia de apresentar trabalho. Mais uma vez carregando o grupo nas costas, mas nunca me importei com isso antes, então não seria dessa vez que o faria.
A louça estava suja, deixei pra depois que voltasse, e conferi se havia dinheiro na conta para comer um salgado.
Me vesti como de costume, uma calça jeans, um tênis meio sujo e minha tradicional camisa do Metallica.
Cheguei na faculdade, comendo enquanto me dirigia para a sala.
Encontrei com meus colegas, repassei novamente as funções de cada um, e falei para rezarem para seus deuses, pois eu mesmo já não acreditava.
Entrando na salaz o professor não havia chegado ainda, e ninguém sabia do paradeiro dele. Aguardamos ansiosos, eu estava preparado, mas o grupo não, a nota coletiva com certeza iria me decepcionar. Mas eu não precisava de muita coisa, queria apenas tirar a média e ficar livre pelo resto do semestre.
Após alguns minutos, o coordenador aparece informando que o Dr Renato precisou se ausentar por questões de emergência, havia uma demanda que necessitava urgentemente da pesquisa dele.
-Ótimo, hora da cerveja então- disse levemente aliviado, mas tendo certeza que ainda não estava livre do trabalho.Liguei para o Victor, que morava perto da faculdade, que com certeza estaria já tomando uma naquele horário. Plena quinta-feira, era a tradição, e ele havia falado que me esperaria no Bar do Araújo.
Ele me falou que conheceu uma moça super simpática e iria me apresentar. Chamei logo um carro pelo aplicativo, que curiosamente falava que havia um alerta da segurança nacional para que todos procurassem abrigo. Pensei logo que deveria ser uma falha, pois não havia visto nenhuma notícia mais cedo, e o céu estava limpo, com poucas nuvens e uma dúzia de nuvens finas. Mesmo assim, não apareceram motoristas.
Como era perto, decidi ir a pé, ouvindo a playlist solitária. O que seriam mais uns 15 minutos de caminhada?Chegando a pouco menos que meio quilômetro do bar, havia umas 30 pessoas uniformizadas abordando as pessoas. Um cara franzino, que devia ter pouco mais de um e sessenta, se aproximou e me disse que estávamos entrando em alerta de emergência, e que os detalhes eram confidenciais, mas eu deveria me encaminhar para a unidade de contingenciamento mais próxima e aguardar por instruções. Falou ainda que havia um ônibus saindo em 15 minutos, e que eu deveria aguardar.
Claro que não pude obedecer sem antes ir procurar o Victor. Tentei ligar, mas estava sem sinal, o que era estranho pois estava no meio de um bairro muito bem movimentado. Corri então pro bar, passando pelos agentes. Para minha (não tanta) surpresa, o bar estava fechado. Retornei ao rapaz que me abordou, e perguntei se havias visto um homem negro, atlético, com um violão e uma camisa de basquete com as mangas cortadas (era o traje típico dele, com certeza estaria vestido assim). Ele me informou que o último ônibus tinha saído a 10 minutos, e que se ele estava na área, foi evacuado para a unidade.
Esperei então pelo ônibus no local indicado, impaciente e conferindo o sinal do celular, sem sucesso.
Faltavam 3 minutos quando um carro sedan preto descaracterizado passou com um megafone acoplado, de onde se podia ouvir uma mensagem gravada se repetindo.
-ATENÇÃO. ISTO NÃO É UMA SIMULAÇÃO. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS EMITIU UM ALERTA EMERGENCIAL, TODOS DEVEM EVACUAR IMEDIATAMENTE.
A situação era mais tensa do que eu imaginava.
Ouvi então o som do ônibus se aproximando. Chegou com muita velocidade, parando fora do espaço demarcado, o motorista parecia estar nervoso. Desceu então uma mulher muito bem vestida, cabelo impecavelmente alinhado. Mais alta do que eu, fato que ainda era reforçado pelo salto.
Começou a direcionar todos os presentes para o ônibus, a essa altura já haviam umas sessenta pessoas esperando angustiadas, comentando sobre o que poderia ter acontecido.
Esperei um pouco para entrar, enquanto todos se expremiam desesperados. Nunca gostei de multidões em espaços fechados.
Uma súbita onda de choque me arremessou um metro pra trás, bem como sacudiu violentamente o ônibus. Vários gritos simultâneos, pessoas caindo e se machucando com os estilhaços das janelas de vidro.
-SE ACALMEM, TODOS ESTARÃO EM SEGURANÇA QUANDO CHEGARMOS À UNIDADE - Gritou a mulher.
Finalmente corri para o ônibus, que partiu logo em seguida. Eu nunca havia visto um ônibus passar dos duzentos quilômetros por hora, até este dia. O calor dentro do ônibus era insuportável, sem falar na infinidade de vozes altas e lamentações de dores.
Veio então outra onda de choque, ainda mais forte que a primeira. O ônibus caiu de lado, e eu caí por cima do apoio de mão que se partiu com o impacto. Senti a pior dor da minha vida, que piorou quando olhei para meu fêmur atravessado pelo ferro maciço. Havia sangue por todo lado, com gritos de desespero e dezenas de corpos dilacerados. Gritei por socorro, mas ninguém estava em condições mentais sãs o suficiente para prestar qualquer ajuda.Com muito esforço me levantei, puxando minha perna por cima da barra de ferro. O sangue jorrou por uns trinta centímetros, e eu sabia que estaria morto em poucos minutos se tivesse rompido a artéria.
Mesmo com minhas forças se esvaindo, arranquei minha camisa e amarrei na parte mais alta da minha coxa direita. Não era o suficiente, mas pelo menos eu iria aguentar um pouco mais.Ainda nos destroços do ônibus, notei uma sombra cobrindo os arredores, e gotas caindo com mais intensidade a cada segundo. Mesmo não acreditando em Deus, rezei a qualquer divindade para que fosse chuva. Os deuses novamente me decepcionaram.
Quando olhei pra cima, estava prestes a ser atingido por uma onda enorme de pelo menos cem metros de altura, e cuja extensão cobria todo horizonte observável. Um instante depois, estava completamente submerso, com o ônibus se tornando um liquidificador de sangue em meio ao movimento da água. Senti uma enorme pancada na cabeça, e perdi a consciência logo após ter a certeza que eu estaria morto em seguida.
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A borda do horizonte
Cerita PendekUma catástrofe caiu sobre o mundo que conhecemos, e será que isso muda a forma como entendemos nossa realidade? Será possível recomeçar após perder tudo, literalmente?