Sábado
As notas provocadas pelo meu violino abafavam a chuva torrencial que desconcentrava-me das notas que havia de acertar e decorar para a avaliação de segunda. Após duas horas de treino, decidi fazer uma pausa. Caminhei até ao meu telemóvel, recordando-me que dia da semana era hoje, e as suas respetivas horas. Sábado, 14:53h, respondeu-me o mesmo aparelho. A minha barriga protestava, faminta - era possível inalar o cheiro feito pela minha mãe, que se situava no andar debaixo.
Os meus olhos analisavam a enorme estante do meu quarto, com, possívelmente, mais de uma dezena de livros, de onde retirei, na prateleira mais alta, o meu preferido. Romeu e Julieta. A história de um casal que prova que o amor é mais forte que a morte, e que nem a mesma tem a possibilidade de os separar.
William Shakespeare, o criador desta grande obra, é o homem que me tem dado a ver a realidade a partir de muitas formas. Considerava-o uma inspiração para qualquer coisa que fazia. Um grande dramaturgo e escritor, sem dúvida alguma. A Tempestade, uma das suas peças teatrais, que me havia captado pelo facto de Miranda ter apenas visto dois ou três rapazes na sua vida, sendo um deles, o seu grande amor e noivo, Ferdinand.
Sempre que abro uma página dos seus livros, sendo escritos em texto narrativo ou mesmo dramático, captam-me a maior das atenções, fazendo a minha imaginação navegar pelas suas obras. Nos dois livros já referidos, imagino como o rapaz que ama - Romeu e Ferdinand -, o meu ex-namorado, Zachery - ou Zack -; e eu imagino-me como a rapariga que o ama de volta - Julieta e Miranda. Tais como n'A Tempestade, o Zack tinha sido poucos dos rapazes que já vi, ou neste caso, dos poucos que me captaram a atenção e onde meu coração, decidiu assim, amar. Infelizmente, o nosso amor não é tão forte como o de Romeu e Julieta. Eu quero-o de volta, mas ele não me quer a mim. Repito: infelizmente.
"Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te." disse Shakespeare. Eu sorria ao ler esta frase, apontada nos cantos de certas páginas das suas obras.
"Conta-lhe, John!" ouvi a minha mãe do outro lado da parede, interrompendo a minha leitura. Pousei o livro levemente na minha secretária e aproximei-me, sorrateiramente, da porta para receber uma melhor audição da conversa entre os meus progenitores "Ela tem de saber! Falta pouco tempo."
"Ao almoço, Caitlyn." o meu pai suspirou "Os dois juntos. Prometo."
"Ela vai ficar muito aborrecida." acalmou-se a minha mãe, podendo ser audível a sua respiração pesada "Podias ter contado antes. Muito antes."
"Eu vou servir o almoço." pausou ele "Chama-a."
Assim que ouvi os passos do meu pai, com o seu andar, decidi agachar-me no chão e gatinhar o mais rapidamente até ao centro do meu quarto, com a cabeça colada ao tapete.
"Trixie, almoço." abriu a porta, após três batidas no pedaço de madeira "O que estás a fazer?" questionou-me espantada com a minha ação incomum.
"Eu deixei cair o meu lápis enquanto fazia anotações de Shakespeare." inventei "Estou à procura dele."
"Eu tenho muitos no escritório do teu pai, depois dou-te um." ela sorriu, orgulhosa "Agora vamos almoçar que a comida já está na mesa."
[...]
O almoço era silencioso, e eu sabia que nada de bom estara para chegar. Brincava com o risoto preparado, com carinho, pela minha mãe. O meu pai estara na ponta da mesa de jantar, e eu e a minha mãe estara à frente uma da outra. Ela tossiu, tentando interromper a falta de presença de ruído naquela sala, então eu decidi comer uma garfada daquele prato tão bem preparado.
"Trixie, o teu pai quer falar contigo sobre um assunto." disse a minha figura materna, o que me fez dar a atenção ao seu acompanhante, ou comoo eu o chamo mais, pai.
"Vamos para a América dentro de dez dias." pousou os talheres em cima do prato "Fizeram-me uma boa oferta e eu tive de aceitar."
Com a novidade, engasguei-me, mas continuei imóvel, sem exagerar. Bebi o meu copo de água para ter a capacidade de falar sem cuspir, mas mesmo assim, não consegui fazer nenhum comentário sobre o assunto. Estávamos falidos.
"Por isso, eu e o teu pai queremos que faças tudo o que tens a fazer aqui."
Afirmei com a cabeça e levantei-me da mesa, com o prato ainda cheio de comida.
Eu sabia exatamente o que queria fazer. Zack.