2

127 12 5
                                    

DylanA vez em que a terra tremeu

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Dylan
A vez em que a terra tremeu

Classifico as pessoas numa escala de zero a oito, como terremotos. Se forem fracas demais, passam despercebidas. Se forem muito fortes, causam danos irreversíveis. No fim, tudo é sobre o quanto alguém balança você.

Ainda me lembro de como e onde senti a terra tremer pela primeira vez.

Eu estava entediado, brincando com as moedas de uma caixa registradora. Colocava uma a uma sobre o balcão e as deixava correr rolando de volta para a palma da mão, pensando em rolar no meu skate mais tarde.

— Você já arrumou a prateleira dos cremes dentais? — Meu velho perguntou, apoiando-se no balcão, de modo que as moedas empilhadas se espatifaram, estalando barulhentamente na superfície metálica. Assenti, voltando a catá-las e jogar para dentro do caixa. — Então é melhor limpar o corredor dos shampoos, alguém derrubou um frasco por lá.

— Não é a vez do Theodoro fazer isso?

— Eu digo quando é a vez do Theodoro. — Mesmo sem encará-lo, pude sentir que mantinha a expressão severa no rosto, com um vinco entre as sobrancelhas e os lábios franzidos sob a espessa camada de pelos grisalhos.

Soltei um suspiro, pegando o rodo apoiado na parede para limpar a bagunça de mais uma criança birrenta. Estava terminando o trabalho quando o sino soou, anunciando a entrada de alguém. Eu subi os olhos para a porta basculante de vidro.

Os cabelos cor de mel de Mackenzie estavam soltos, despencando numa camada muita lisa até a altura do sutiã.  O suéter de lã marfim era um prenúncio do tom claro de sua pele exposta pela saia preta curtinha.

Nossos olhares se cruzaram e eu me empertiguei discretamente. Sorrindo, ergui a mão num aceno tosco. Ela apertou os lábios timidamente, correu os dedos pelo cabelo, jogando a franja para trás.

Atravessou o corredor branco em silêncio, indo até o balcão dos fundos, onde o velho se encarregou de atendê-la pessoalmente. Eu me debrucei um pouco para analisá-la de costas e foi quando senti um peteleco atingir a cabeça.

— Você não ganha para olhar a bunda das clientes, sabia?

Esfreguei o pescoço e abri um sorriso.

— Eu não ganho — fiz questão de lembrar a Theodoro do meu voluntariado compulsório (se é que essas duas palavras podiam ser usadas sequencialmente).

Contanto que eu tivesse um teto sobre a cabeça e comida na mesa, o velho não acreditava que o meu trabalho de meio período na farmácia devia ser remunerado. Theo, por outro lado, como não era família, recebia um pequeno pé de meia que pretendia usar para a viagem formatura.

— São cinco e meia — ele avisou. — Então você vai ou fica?

— Já vou — rebati sem encará-lo. — Tô no meio de uma coisa aqui, caso não tenha notado.

De outras primaveras (amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora