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KenzieO dia da prova de química

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Kenzie
O dia da prova de química

Olhando para o passado, percebo que o arrependimento costuma morar em dois tipos de situações principalmente: as que pensamos demais e as que pensamos de menos. Quantas vezes uma pessoa pensa antes de tomar a pior decisão da sua vida? Sempre fui do tipo que pensa duas, três, quatro vezes. Aquela manhã em específico, foi uma das raras vezes em que eu pensei de menos, apenas agi.

Dylan estava batendo o lápis na mesa freneticamente. Três carteiras à frente, na fileira do lado. Com as mesas dispostas por ordem alfabética, ele não podia me ver, mas eu podia vê-lo, desenhando rabiscos sobre o papel. Ele não tinha respondido uma única questão sequer, e faltavam apenas dez minutos para o fim do tempo.

Foi quando Maria Augusta levantou da carteira atrás da minha para entregar a prova. Meus olhos a seguiram. No caminho, a vi deixar um papelzinho amassado na mesa de Theo. Agnes estava sentada na frente, perto da porta, mas notou a movimentação e olhou feio para a garota de cabelo lilás.

Eu nunca tinha colado numa prova. Eu nunca tinha passado uma cola também. Nem mesmo quando Agnes pediu encarecidamente. Ela era péssima com matemática, contrariando qualquer estereótipo sobre exatas e a ascendência asiática. Quanto a mim, não era nenhum código moral, apenas tinha muito medo de ser pega. Ainda assim, a ideia de Dylan não se formar com a nossa turma tamborilava pela minha mente desde que ele próprio sugerira essa possibilidade.

Fofocas correm. Os professores creditavam o desempenho escolar insatisfatório ao diagnóstico de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) que Dylan tinha recebido alguns anos antes. Alguns "pegavam leve" com ele, outros nem tanto. Já o tinha visto tomar um punhado de advertências em sala.

Estudávamos juntos desde o fundamental, parecia injusto deixá-lo para trás. Parecia estranho pensar que quando olhasse as fotos de formatura, muitos anos depois, ele teria sido somente um fantasma cujo sorriso perfeito jamais fora registrado em fotografia.

Chequei se o professor estava distraído antes de anotar todas as respostas num papelzinho. Ao levar a prova, apenas passei a mão pela mesa de Dyl, deixando o papel ali, discretamente. O coração acelerado como se aquela fosse a coisa mais perigosa que eu faria em toda a minha vida. Definitivamente, era a mais perigosa (e estúpida) que eu já tinha feito até então... arriscando uma centena de planos em troca de um mísero sorriso doce dele.

Não espiei a sua reação. Estava nervosa e saí o mais rápido que pude da sala, sabendo que teríamos de esperar duas semanas pela divulgação do boletim. Eu sempre ficava ansiosa, o que fazia Agnes revirar os olhos de raiva, dizendo que eu sempre ia bem. Ainda que fosse verdade, isso não aliviava o meu nervosismo.

— Valeu a ajuda, Big Mac. — Dylan piscou ao passar por mim no intervalo. O moletom cinza caía largo ao redor do corpo, e o cabelo não tinha sido penteado naquela manhã, mesmo assim ele parecia impecável.

Quase me esqueci que era estupidez gostar dele. O problema é que eu não parava de pensar no "terremoto" de Dylan. O que ele quis dizer com "eu senti alguma coisa"? Não fazia ideia, mas precisava admitir que tinha sentido algo também.

Estávamos lanchando no jardim, todas minhas amigas sentadas no gramado sob o Ipê em tons de outono alaranjado. Eu comia um iogurte de morango, Agnes uma bolacha, Kiki devorava um croissant de chocolate, e Becka tinha os olhos vidrados no celular.

— Espera! O que foi isso? Que ajuda?

Agnes era sempre a primeira a saber de todas as fofocas da escola. Ela odiava não estar por dentro de algum assunto, mas eu sabia que ficaria uma fera se soubesse que eu dei cola para Dylan e não para ela. Eu nunca dava cola para ninguém, então disfarcei:

— Encontrei com Dylan na farmácia outro dia e aproveitei para lembrar que tínhamos prova hoje. Só isso. — Enchi a boca com Iogurte.

Kiki me lançou um olhar discreto, e eu soube que ela tinha me visto passar a cola, mas não ia delatar. Lealdade é um traço que você aprende a valorizar nas pessoas quando entende o quanto ele é raro.

— Encontrou com Dylan, é? — Ness quis saber os detalhes.

Então eu contei brevemente sobre a nossa conversa. Algo sobre o "sentido da vida" que soava profundo demais para um garoto de 17 anos em cima de um skate, rolando pela calçada. Arrisco dizer que foi o exato momento em que a minha quedinha por ele evoluiu para algo a mais. Já não era sobre o sorriso encantador ou o jeito que usava o cabelo, porque qualquer garoto de 17 podia ser uma gracinha, mas a maioria seria apenas tão bonito quanto trivial.

O Dylan que todo mundo adorava era um holograma de si mesmo: lindo, bobo e divertido. O Dylan que me intrigou era sagaz e um tanto visceral, como o fim trágico de um romance de John Green, que você quer ler mesmo sabendo que vai chorar.

Talvez o propósito das roupas muito largas fosse esconder as inúmeras camadas de si próprio que ele não deixaria mais ninguém ver, mas eu senti vontade de desvendar como um segredo. Algumas não seriam puras ou belas, outras ecoariam no meu coração por tanto tempo quanto ele fosse capaz de pulsar no peito.

— Espera! Está dizendo que Dylan Damian te chamou para sair? — A voz de Kiki era naturalmente alta, o que me fez olhar para trás, para ter certeza de que não estávamos sendo escutadas.

— Não para sair — corrigi, encarando uma folha seca do ipê entre os meus dedos. —Ele só me chamou para ir no shopping. A turminha do barulho estava lá, nem ia ser "um encontro".

— Não estamos mais nos anos 90. Ninguém sai para "encontros" hoje em dia, Kenzie. As pessoas só "se encontram" e "ficam", você saberia disso se não passasse tanto tempo enfurnada em casa! Isso é deprimente!

— E o que você disse para ele? — Kiki roubou o assunto outra vez, antes que eu pudesse esboçar qualquer reação ao comentário ácido de Ness.

— Disse que eu precisava estudar.

— Você deu um fora nele!? — Foi um coro de vozes chocadas.

— Eu não... — Me interrompi antes de concluir a frase. — Não foi um convite de verdade. Ele só estava sendo legal. É o Dylan! Ele é legal com todo mundo!

— É. Ele é sempre legal comigo — Kiki precisou concordar.

— Mas nunca te chamou para sair — Ness rebateu acidamente, levantando uma sobrancelha fina. — E você não é a garota com apelidinho fofo de fast food, embora claramente seja a única de nós que está exagerando na comilança. Sem ofensa.

Notei o jeito que Kiara se encolheu, deixando o croissant de lado. Ela cruzou os braços, escondendo um pouco o corpo. Quis disfarçar o assunto desconfortável por ela, então chamei por socorro:

— O que você acha, Becka?

A loira levantou os olhos castanhos rapidamente.

— Ãn? O quê?

Ness soltou um grunhido, levantando-se.

— Vocês todas me deprimem! — Declarou. — Eu vou dar uma volta.

De outras primaveras (amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora