[3] Campo de futebol

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Já teve a sensação de que toda a sua existência é um erro?    

A sensação de que você não faz nada direito. A sensação de que o maior sentimento que você causa nas pessoas ao seu redor é a decepção, é o desgosto. A sensação de que você não é livre para ser quem realmente é, e nem para fazer o que realmente te faz se sentir vivo. 

A sensação de que o mundo inteiro está o tempo todo colocando pressão sobre você, te sufocando. Tirando todo o seu ar, tirando toda a sua esperança, sugando toda a sua essência.

A sensação de que não importa o quanto você tente ser quem eles querem que você seja, que não importa o quanto você lute para reprimir o seu 'eu' verdadeiro, você sempre vai falhar.

A sensação de que tudo seria mil vezes melhor se você não existisse.

Era essa sensação que caía sobre Wilhelm, enquanto ele se apoiava na parede e arrancava seu cachecol listrado de seu pescoço, jogando-o no chão enquanto tentava, sem sucesso algum, controlar sua respiração.

Ele se perguntava por que não podia ter um mísero momento de felicidade sem que uma tempestade viesse logo em seguida. Se perguntava se aquela era sua sina; se simplesmente seria impossível escapar daquilo e teria que lidar com aquela sensação pelo resto de sua existência.

Todos sempre dizem que a vida é feita de escolhas, mas como então Wilhelm viveria se sentia que seu próprio poder de escolha havia sido tirado de si no exato momento em que nasceu? 

Ele nunca se sentiu dono das próprias decisões, nunca se sentiu dono de si mesmo. Em todas as fotos que tirava, em todos os discursos que fazia, em toda roupa que vestia, nunca havia Wilhelm ali. Só o que havia era um nobre, um sangue azul, um príncipe. Só o que havia era o que a mídia queria que houvesse, mas ninguém reparava que o que habitava ali era apenas o maior e mais complexo vazio de uma imagem vendida.

Porque ninguém perguntava qual era a sua cor favorita. Ninguém perguntava o que ele gostava de fazer no tempo livre. Ninguém nunca quis saber quais séries ele assistia, quais músicas ele ouvia, quais suas lembranças de infância mais felizes.

Era como se ninguém soubesse ou ao menos quisesse saber quem Wilhelm realmente era. 

E já havia chegado ao ponto de que talvez nem ele mesmo soubesse.

— Wille! — a voz de Simon soou distante, mesmo que de fato não estivesse; porém o zumbido constante nos tímpanos do príncipe e sua dor de cabeça pulsante lhe davam aquela sensação 

Quando o cacheado finalmente alcançou o loiro, o segundo citado já estava sentado no chão e desprovido de seu cachecol e seu sobretudo, mesmo frente ao intenso frio que fazia naquela manhã. Afundando o rosto nas palmas das mãos, Wilhelm sentia que poderia ter uma parada cardíaca há qualquer momento.

— Wille, ei! — Simon se ajoelhou frente ao namorado e largou a sacola do mercado no chão ao seu lado, segurando seus ombros e os sacudindo como se implorasse para que ele retornasse à realidade — Ei, eu to aqui! Wille, eu to aqui…

As mãos de Wilhelm se afastaram de seu próprio rosto para que pudesse enxergar quem estava ali consigo, mas sua visão turva não facilitava muito as coisas.

— Vamos, amor. Respira comigo. Comigo. Inspira, expira. Inspira, expira.

Seu rosto parecia estar prestes a entrar em combustão de tão avermelhado que estava, seu peito subia e descia freneticamente e fora de sincronia, e seus olhos com as pálpebras já pesadas e inchadas mal conseguiam captar luz.

A voz do cacheado ainda era distante e sua cabeça girava. Wilhelm se sentia completamente fora de órbita, como se estivesse aos poucos se afastando do Sol e se perdendo no mais completo escuro pelo resto da eternidade. 

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⏰ Última atualização: Dec 19, 2021 ⏰

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