Capítulo Único

21 1 0
                                    

EM UMA GALÁXIA MUITO, MUITO DISTANTE...

— Calor asqueroso — exclamou Guacco, os lábios do Jedi torcendo-se de nojo.
       Ele era um togruta de pele vermelho-escura, com crescidos chifres deitados à frente, e listrados montrais derrubados nos ombros. Estava agasalhado com um manto cor-terra que, por debaixo, escondia o roupão bege firmado pelo cinto onde suspendia seu sabre-de-luz.
       — Nessas horas — continuou —, prefiro o clima ameno de Naboo ao invés do inferno de Tatooine.
       — Desapegue disso, fresco — a gargalhada rouca de Cinazar o interrompeu. Era corcunda e branquelo, sua boca rachada de tão seca; trajava um volumoso pano negro que lhe cobria tudo, com exceção do rosto. — Logo dará fim àqueles criminosos repugnantes dos Gladiadores do Saibro. E partirá ao cumprir tua missão. Estou enganado?
       Guacco, ao empinar o nariz, sacudiu a cabeça negativamente. Por um momento ele observou o horizonte: um pleno deserto. Depois, ele passou a vadiar em torno do profundo e desproporcional buraco que ali havia. Logo, voltou-se à Cinazar. — Tem certeza que os Gladiadores do Saibro se escondem como ratos medrosos... aqui?
       O magrelo apontou o seu calejado dedo ao buraco, e sussurrou:
       — Veja por si próprio, cavaleiro da República...
       Uma gota de medo escorreu na testa oleosa do Jedi. Ele deteve-se a olhar o buraco, tentando pescar algo vivo: porém só vira negrume, um vácuo.  Então, Guacco recuou. Respirou fundo, trazendo calor aos pulmões. E, com a aragem o amparando, deu um habilidoso salto. Ele planou momentaneamente sobre o buraco... até adentrá-lo numa brusca queda.
       O pouso levantou abundantemente um nevoeiro marrom-claro. Quando se dissipou, ele se viu finalmente no covil da gangue que caçara há semanas. Estava rodeado de escuridão. E Guacco deu uma boa olhada nela... Seus montrais repentinamente vibraram ao detectar seres-vivos ali, o bastante para trazê-lo tensão.
       — Ei!
       Guacco olhou logo acima: vendo a diminuta figura de Cinazar aflorando da superfície.
       — Obrigado por cair!
       Guacco indagou para si. Como assim “cair”?
       — Até mais, cavaleiro da tolice — O pálido magricela sumiu, deixando o eco da sua trêmula risada.
       Guacco tateou o aquentado cabo de seu sabre-de-luz. Mas os montrais enlouqueceram em seus ombros quando sentiram uma ligeira presença avançar.
       Assim que virou-se, tomado de adrenalina, já era tarde: uma carregada dor espalhou-se em sua nuca. O Jedi perdeu o equilíbrio e se ajoelhou. A dor retornou mais intensa, o derrubando na areia e fechando abruptamente as suas pálpebras.

A dor pulsante enfraqueceu. Pouco-a-pouco o Jedi recuperava a consciência. Suas canelas estavam sendo brutamente arrastadas, enquanto um curioso aperto no suvaco lhe erguia. Na hora que abriu os olhos, fora largado no chão — quente e áspero. Encontrava-se encurralado por encorpadas grades onde, mais adiante, havia uma comprida platéia o circundando.
       — Senhoras e senhores! — anunciou uma voz grave e poderosa. Ela partia do alto, perto da imensa fissura no teto, onde os sóis gêmeos de Tatooine acalorava o cocuruto de todos.
       Guacco, com dificuldades, se reergueu apoiando a mão nos joelhos ralados.
       — Hoje, no ringue dos Gladiadores do Saibro — disse a poderosa voz —, temos a humilde participação de um cavaleiro: um Jedi!
       A platéia urrou igual a um coral. Em seguida, calaram-se quando a voz narradora continuou:
       — O prêmio, apesar de... benevolente; é suficiente para motivar os nossos competidores a entregar uma fantástica performance! O vencedor levará cinquenta mil créditos — Outro urro do público — e, um belíssimo sabre-de-luz!
       A consciência do Jedi recuperou-se de imediato quando ouvira.  Ele notou a sua ferramenta na palma acinzentada e inchada daquele carrancudo narrador.
       — Agora, vamos direto ao ponto. Preparados?!...
       Um vociferante “Sim” rodeou a jaula fazendo-a tremelicar.
       Os montrais de Guacco enlouqueceram-se com alguma criatura se aproximando na extremidade da jaula.
       — Vós apresento: Boltore, o famoso quebra-colunas!
       Duradouras andanças estrondearam. Lentamente, da entrada coberta de penumbra, saiu um alaranjado besalisk — gigante como um hipopótamo. Ele uniu os quatros punhos — que, de tão corpulentos, faziam jus ao apelido “quebra-colunas” — e os estralou.
       — Um... — a platéia iniciou a contagem regressiva.
       Guacco estremeceu com a aterradora vontade das criaturas de verem sangue ser derramado. Esse então era o submundo de Tatooine?
       — ... Dois...
       Não havia escolha; ou era lutar ou morrer ali mesmo.
       — ... Três...
       No momento que os sóis acuaram, a forte luz tornou-se fraca: revelando o magricela Cinazar no alto rochoso, ao lado do obeso narrador.
       O sangue do Jedi fervilhou. Maldito traidor...
        — ... Que comece a luta!!
       Fulminante, o besalisk correu. Dois de seus brações superiores golpearam o estômago do Jedi e jogaram-no contra as grades. A platéia aumentou os assobios de ânimo, enquanto Guacco se contorcia nas grades. O besalisk prosseguiu com mais murros, o vapor saindo de suas cavernosas narinas. Guacco, desta vez, forçou uma cambalhota surgindo atrás do brutamontes. Mas, de repente, dois braços encorpados o agarraram num enlaçamento, retirando-lhe o ar dos pulmões.
       Guacco, embora estivesse zonzo, percebeu algo cintilar do alto do rochedo: era seu sabre-de-luz beiradejando o trono do narrador.
       Então, uma idéia o encorajou!
       O Jedi esticou arduamente o punho e lutou para concentrar-se com a Força enquanto era sufocado pelos músculos do besalisk. Leves estremeções arrastaram o sabre-de-luz. E o besalisk passou a estrangular com mais intensidade.
       Guacco, nos seus últimos resquícios de oxigênio, finalmente conseguira fazer o sabre disparar-se à sua palma igual a um falcão adestrado retornando ao dono. Ele acionou a lâmina: um poderoso lilás. E imediatamente queimou a pele do besalisk, que soltou-o aos berros.
       O aroma de carne mal passada perambulava pelo ar. E a platéia não segurava o ânimo, principalmente quando o Jedi desaparecera da jaula!
       — Maldição!! — murmurou o obeso narrador.
       Do nada, zunidos reverberaram no covil. Esforçando-se para se curvar no trono, o narrador viu a brecha que o Jedi cortara nas grades.
       — Impossível! Tratem de pegá-lo... !
       Inesperadamente, cordas de rapel caíram da fissura do teto do covil. Entre as estalactites, deslizou soldados da Ordem Jedi. Da entrada principal mais deles assomaram dando, sem demora, voz de prisão:
       — Em nome da República Galáctica, todos aqui presentes estão presos!
       O pandemônio, então... começou!
       Disparos efetuados sem o menor cuidado apartaram o público que corria desesperado pelos arredores do covil. Uns foram alvejados até tombarem duros na areia; outros lutaram bravamente usando sucata. Guacco estava apoiando os aliados republicanos no fogo cruzado: evitando pisotear os corpos sem-vida ao mesmo tempo que gesticulava a espada luminosa naqueles que o enfrentava. O Jedi, em seguida, percorreu o covil esquivando-se dos tiros igual a um fantasma-da-guerra.
       Passou-se minutos de corre-corre. Seus pés descalços levaram-no a uma parte afastada do tiroteio onde a escuridão perpetuava. Atento, ele avançou. Estava em um extenso corredor com celas enfileiradas. Prisioneiros desdobraram os antebraços no meio das barras enferrujadas. Abanavam. Soluçavam. E clamavam socorro.
       No final do corredor estava o besalisk que o combatera na jaula. Agachado, com as veias de seus músculos horrivelmente saltadas, esforçava-se para alargar as barras de uma cela. A qual havia duas fêmeas da sua espécie — uma alta e a outra pequena.
       Guacco quando enfim chegou no brutamontes, desligou o sabre-de-luz e o escondeu dentro do roupão.
       — Ajuda? — perguntou Guacco, colocando um pé atrás para caso o besalisk resolvesse saltar e lhe arrancar a jugular no dente.
       — Não! — grunhiu com a bocarra espumando. — Suma de uma vez!!...
       — Boltore — disse a fêmea, separando-se da pequenina besalisk para tocar as barras. — Querido, escute o rapaz de chifres largos. Você está exausto. Perderá tempo tentando nos...
       — Quieta! — vociferou ele. — Eu mesmo irei libertá-las!!
       Até parece, debochou o Jedi, quase que em voz alta.
       O besalisk investiu maior intensidade na judiação de seus músculos, lhe escapando algumas lágrimas de suor...
       Guacco vira o quão bonito e, ao mesmo tempo, patético era a atitude. Os bíceps daquele cara com certeza estourariam igual a um balão! O Jedi, então, cruzou os braços. E de palma aberta, direcionou a Força nas descascadas barras. Estridentes rangidos soaram parecer que o besalisk as esticava, lado-a-lado, formando um longo arco.
        Após salvar a fé do brutamontes, Guacco o rodeou e acenou para as duas fêmeas. Elas cuidadosamente saíram pela fresta. E, lentamente, os viscerais olhos das fêmeas gotejaram lágrimas que evoluíram à cachoeiras de emoção. Os três reuniram-se num caloroso abraço.
       A saudade morrera ali.
       O brutamontes — que antes tentara matar o Jedi — estendeu uma das múltiplas mãos e, com lágrimas caindo-lhe, desabafou:
       — Me... me perdoe. Tive que me sujeitar a essas lutas para quitar uma certa... dívida. Era o único jeito dos Gladiadores do Saibro libertarem a minha esposa e filha.
       — Sem problemas — mentiu Guacco, cumprimentando-o enquanto disfarçava um riso. — Aqueles socos nem doeram tanto como pensa.
       Do nada, a pequenina besalisk envoltou o Jedi em quatro bracinhos, abraçando-o fortemente como forma de agradecimento. Guacco não quis empurrá-la — por mais que sua personalidade mesquinha exigisse —, então fingiu adorar.

O Jedi escoltou a família à espaçonave da República, onde iriam viajar para Coruscant reconstruir suas vidas.
       No caminho, vira o que o tiroteio deixara: cadáveres de vários tipos de espécie e tamanho. Mas, o pensamento de tratarem-se de criminosos nada imaculados, acalmou-lhe o senso de justiça.
       Quando alguns soldados fizeram um último vasculhamento no covil, tiveram a sorte de achar a “confiável” fonte de Guacco:
       Cinazar.
       Ele implorou de joelhos a clemência do Jedi. Mas este, a sós com ele, optou por um castigo justo e satisfatório...

* * *

Por favor! Não deixem-me aqui! Prometo me comportar! Nunca mentirei novamente! Eu juro! — A chorosa voz de Cinazar era rebatida e devolvida em eco na imensa jaula. Os sóis gêmeos haviam sumido do infinito céu, dando lugar ao trio de luas de Tatooine. O magricela traidor passaria uma e mais noites preso naquele covil manchado de morte.

Fim.

Star Wars Velha República: Os Leais Trâmites de um JediOnde histórias criam vida. Descubra agora