O vampiro bate a porta

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A noite caía sobre todos em forma de uma chuva terrível. Eram 22:00 da noite quando a energia se perdeu, deixando-me no completo e assustador escuro da noite.

Estava sozinha, logo me apressei, levantei de minha mesa, onde lia meu livro, para pegar uma vela branca que iluminaria a noite.

Terríveis foram essas longas noites que me levavam a ler e ler sem fim esperando o sono me abater, dando um alívio a minha insônia e terror.

A velha caixa onde as velas estavam guardadas estava num outro cômodo.

Esse cômodo tinha uma grande janela sem cortina que me permitia ver a chuva cair sobre as casas. Pingos de água caíam do teto de minha casa já velha. Foi quando da janela vi um raio cair e logo veio o som fazendo a treva da noite correr.

Senti meus cabelos ficarem arrepiados e quando a luz se foi, ouvi baterem em minha porta.

O arrepio se tornou um terror, afinal de contas, já era tarde da noite. Quem havia de bater em minha porta?
Caminhei com passos lentos até a porta, mais um raio caiu iluminando a noite. Aumentando meu terror.

Ao chegar na saída de minha casa, olhei pelo olho mágico e vi um homem.

Parecia jovem, usando um longo casaco negro com capuz, estava de luvas negras e uma bota até joelho. Estava claramente com frio pois se abraçava com força, tentando, sem sucesso, se aquecer.
- Meu senhor – disse eu – quem és tu que bates em minha porta?

O homem olhou para a porta e pude ver seu rosto pálido como a lua, olhos negros como a noite com um semblante triste.

- Minha senhora – disse ele – sou um simples homem, procuro algo. A chuva me faz passar frio e a fome me mata!
- Procura alimento ou algum abrigo para a noite? – perguntei já tranquila.
- alimento? Sim! – disse o homem com felicidade – procuro alimento, minha senhora. Já abrigo já o tenho. Não sou
um pedinte ou desabrigado.
- Enfrenta tão tempestuosa chuva a procura de alimento? – eu estava incrédula, senti dó pelo miserável.
- Sim, moça. Eu sou um pobre condenado! Deus me odeia e todos de minha raça. Por isso essa regra que tenho que bater a porta e pedir com educação.
- Então és um faminto? Já te trarei algo para comer. Não passará fome essa noite. Trarei para ti um prato de comida e comerá na minha mesa!
- Senhora... Sinto lhe dizer. Não tenho fome de comida comum. A senhora não entendeu minha real situação!

A chuva ia caindo e molhando o rosto do pobre sujeito.

- Então, explica-me – disse eu – busco entender a sua situação.
- Senhora, sou um condenado! Sinto fome de sangue. Sou um vampiro!
E um trovão fez o céu brilhar e eu pude ver seus olhos deixarem o tom negro e virarem um branco sem fim. Sem alma.
- Vivo a procura de sangue! – disse o homem – porém, Deus nos odeia, assim como todos.
Tenho que pedir, pois assim ele me obriga!
- Não brinque comigo! – disse eu já irritada – achas que sou uma tola? Não existem vampiros!
- Também achava o mesmo, minha senhora – o homem se curvava de frio – O frio me mata, moça! Deixai-me entrar!
- E mesmo que acredite, por qual razão o deixaria entrar?
- Pois tu és condenada também!
- Não seja ridículo! Como condenada?
- Eu venho te observando, diferente de meus semelhantes eu escolho minhas presas a dedo. Não escolho alguém que seja feliz e bem de vida. Vampirismo é uma maldição! Mas uma maldição que tem suas vantagens. Os miseráveis e abandonados por Deus podem se ajudar! Por isso bato em sua porta.
- E por que me achas uma condenada?
- observei a senhora com extrema calma, vi como sofres, como foi abandonada. Por que lê em alta noite e no escuro? Por que não dormes e descansas tua mente igual os outros? Sentes dor o tempo todo, não? Não uma dor corporal que possa ser curada.
- És um louco – eu dei às costas para o insano e ia deixá-lo morrer de frio.
- Se sou louco por que me ouviste? – perguntou o tal vampiro.
- por que tu bateu em minha porta em alta noite! – voltei a porta
-  Qual é essa angústia que você sente? Conte-me
- venho sofrendo? Sim, como todos sofrem. Perdi meus dias, ganhei noites em claro apenas a ler meus bons livros. Perdi minha vontade de viver. Olho para o céu e não vejo um Deus e sim uma criança brincando com suas formigas
- Essa é a agonia que vejo em teu olhar há dias! – Disse o vampiro já encostado na porta.
- Tem me seguido há dias? O que há de errado? Por que me segue?
- Nós, vampiros, podemos atacar na noite. Seguir suas vítimas nas ruas e arrancar o sangue de suas veias. Eu pretendia fazer isso com ti, mas então eu a vi se joelhando perto daquela figura de Cristo que fora posta na praça. Vi suas lágrimas e lembrei de mim mesmo, de minha própria agonia! Achei que fosse rezar a Cristo e a Deus mas não... Não. Você o condenou! Você disse, “Ora Deus, por que tira de mim meu amado? Por que torna minha vida um inferno? Logo eu que fui justa contigo? Deus, eu te odeio!”
- Não! – gritei com ódio – não diga essas palavras! Eu as disse num momento de fraqueza espiritual!
- O que você chama de fraqueza espiritual eu chamo de revoltada! A mesma revoltada que fez a estrela da manhã ir ao céu e que me fez virar vampiro – o vampiro bateu na porta e eu me assustei.
- Você é um demônio e apenas isso! – disse eu negando a sua palavra
- Sim, sou um demônio – o vampiro tinha um ar quase cordial em suas palavras – eu sou o demônio do desejo e do poder. Vago na noite pois o dia me odeia e o dia é criação de Deus!
E ele te odeia também!
- Eu sei que ele me odeia – lágrimas correram de meu rosto – Deus tira e não dá nada em troca. Fecha uma porta e tranca a janela. Será que é por que eu o abandone, ou o questionei?
- Sabe por que Adão e Eva foram expulsos do paraíso? – perguntou-me o vampiro – eles foram expulsos por questionar! Por dizer um simples “por que?” . Eu vivo há séculos e sabe o que descobri? Que Deus é uma contradição! Por que se ele for todo bom, ele não pode ser onipotente. E se ele for onipotente, então ele não é todo bom! Bondade e poder absoluto não andam juntas. Deus odeia a mim e você. Eu poderia te pegar na rua, arrancar-lhe cada gota de sangue, deixa-lhe no meio-fio e ir embora. Mas eu ofereço algo mais: Vampirismo!

Senti minha perna perder as perderem a força e cai no chão. Olhei para o céu e senti Deus me olhar, esperando minha fatal decisão. Um leigo sorriso cobriu meu rosto, e eu senti uma inexplicável paz.

Eu abri a porta e disse:
- Entre e me dê um motivo para Deus me odiar.

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