Era tarde da noite, de um outubro frio e solitário, próximo de meu aniversário, quando de um canto de minha casa surgiu uma estranha e hedionda sombra preta.
Sei que tal afirmação não é de espantar, nem traz terror aos ouvidos. Porém, essa sombra era diferente.
Vi-a se formando de surpresa em minha frente, quase como algo vivo e consciente.A primeira vista não dei muita importância ao fato, estava ocupando minha débil mente com livros de tempos passados. Na verdade, mau conseguia ler meus livros. Pensamentos ruins que haviam em minha cabeça me impediam de prosseguir minha leitura já há muito atrasada. Forçando-me a voltar páginas e páginas para ler de novo.
Essa ação me assustada muito mais que a sombra que estava em minhas costas. Levantei-me para ir a sala, para ter um pouco mais de iluminação. Talvez, isso ajudasse minha leitura.
O próximo fato chamou minha atenção: ao levantar para me dirigir a sala, a sombra, já esquecida em seu triste canto, me seguiu e tornou negro o lugar por onde passei. Ao olhar para trás já não havia chão ou paredes, apenas um escuro absoluto que havia tomado aquele espaço. Nem a luz mais brilhante da estrega mais quente seria capaz de penetrar naquele escuro.
Minha reação, no entanto, foi mais calma. Entenda: já havia semanas que, preso em meu quarto, via as mais terríveis figuras.
Seres de formas não humanas, me atormentando e torturando. Eu só quero ler meu livro em paz.
Dei às costas para a sombra, segui para a sala, sentei-me no sofá, já rasgado e mau cuidado, e voltei para meu livro. Lendo de novo as mesmas páginas.
Tentei me concentrar em minha leitura, mas, para meu total terror e raiva, A sombra agora começou a falar. Ela me lembrou de coisas já esquecidas em minha mente, atos hediondos que cometi contra parentes, amigos e ex-companheiras. A voz da sombra era a mistura infernal de todas as vozes das pessoas que um dia meus atos hediondos prejudicaram. Eu só queria ler meu livro. A luz da sala já não ajudava na leitura.
Meu problema não era a luz, eu precisava parar de ouvir a sombra.
Levantei, dei de costas para a sombra e me dirigi em direção ao grande quarto, antigo quarto de meus pais. Lá havia, se não me falha a memória, um par de fones que bloqueavam o som. Era a solução de meu problema. Mais uma vez, ao chegar no grande quarto, a sombra havia tomado conta do espaço por onde eu passei, Deixando tudo escuro. Coloquei o par de fones e voltei para minha leitura. Lendo de novo as mesmas páginas.A sombra estava ficando... Criativa, já que agora não falava, e sim se manifestava em formas humanas. Primeiro meus pais e irmãos, depois minha ex-companheira. Eu focava com toda minha força para o meu livro, com lágrimas em meus olhos. Lendo as mesmas páginas de novo e de novo. Até que o golpe final foi feito. De dentro da sombra saiu uma figura feminina, 1 metrô e 60 de altura, com os cabelos cacheados e tatuagens pelo corpo. Corpo esse que eu já havia me esquecido...
Para mim, isso foi golpe baixo. Trazendo as piores lembranças de meus atos mais hediondos. A imitação do corpo da pessoa em questão era perfeita. Cada detalhe estava lá.
E então, como o tiro de misericórdia saiu da boca dela: “Você... Você me deixou”, em um tom tão suave mas ao mesmo tempo agressivo. Abaixei minha cabeça e respondi: “ Eu sei”.
Ao levantar minha cabeça, a sombra havia tomado conta de tudo, já não havia luz, esperança ou clemência para mim. Só havia trevas ao meu redor, com excessão de meu livro. Com lágrimas em meu rosto, destruído pela lembrança de meus atos, voltei-me ao meu livro. Lendo as mesmas páginas de novo e de novo.