1 - Problemas mal enterrados

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Montes claros, 2024

Minas Gerais - Brasil

Pegar no sono é uma coisa tão gostosa, chega de mansinho e te cobre com o manto da tranquilidade. Acordar em um dia de sábado, sem cobranças e sem relógios é só mais um bônus, os passos depois de abrir os olhos é um pós-sono que leva mais de três minutos enquanto você se dá conta dos afazeres do dia e bota a mente em ordem.

Mas quando eu sinto algo cutucar minhas costelas, e depois algo pequeno e que se move enroscado entre minha panturrilha e coxa, estar calma já não é mais opção.

Me levanto depressa, enfiando uma mão até a perna e com a outra puxando o lençol. Um fio vermelho se enroscava na minha perna, puxo-os tentando trazer o novelo de lã para mais perto, quando o tenho em minhas mãos, dou um bocejo enquanto giro o novelo em mãos para colocar o fio em seu devido lugar.

Minha mão direita se move por debaixo dos lençóis e quando suspendo-a vejo que era minha agulha de crochê que me fez achar que tinha dormido por cima de alguma barata.

Meus pés entram em contato com o tapete de crochê e por um momento fico apreciando a sensação enquanto tomo coragem para levantar da cama. Quando me levanto, piso em algo e tropeço, por pouco não me espatifo no chão. Muitos novelos de lã estavam jogados no chão, fazendo o piso branco do meu quarto parecer uma piscina de bolinhas.

Isso só era mais uma prova do que vovó Graciosa diz "camarão que dorme, a onda leva, minha fia", quase ganhei um roxo na pele porque peguei no sono enquanto fazia crochê e joguei tudo no chão.

— Bença, mãe — estendendo a mão para segurar a palma direita de mamãe e depositar um beijo e ela fazer o mesmo na minha dizendo "Deus te abençoe".

— Olha o que chegou pra você. — cantarola mamãe. Na altura de seu rosto, uma linda aquarela minha preenchia o papel branco.

— Que lindura! — Pego a obra de arte em mãos.

De perfil, até a altura do umbigo, eu estava pintada em rosa claro, rosa escuro e lilás — minhas cores favoritas. Meus cabelos castanhos claros eram rosa claro com detalhes de rosa escuro e estavam jogados para o lado de maneira a fazer uma franja; meus lábios de um rosa claro com detalhes em lilás carregavam um sorrisinho; as sobrancelhas negras levemente arredondadas e arqueadas de pelos finos estavam em lilás, assim como a íris e os cílios que são castanho claro; minha pele ganhou o tom rosa claro e constatou com a camisa lilás que usava.

— Não tinha visto nenhuma correspondência ontem. — Puxo a cadeira, sentando. Então percebo. — Fran, já chegou?

— Ainda não. Só às treze horas, querida.

— Ué. — Digo sem entender, por que ele não me entregou pessoalmente? Já sei. — Fraaaan, eu sei que você tá aí. — Me viro em direção à entrada. Com certeza ele está esperando eu chegar perto pra pular encima de mim.

— Chegou pelos correios, Tâm.

— Você está mancomunada com ele, sua traídorazinha.

Não seria a primeira vez, a casa sempre se virava do avesso quando brincávamos de pique-esconde. Mas mamãe nunca queria me dizer onde Fran se escondia.

— Num tô não, olha ali— ela aponta pra um ponto na mesa, lá um envelope branco estava rasgado. — Aliás, — agora me sento na cadeira, querendo pegar o envelope em mãos. — olha a aquarela que eu recebi.

Retiro do envelope duas aquarelas, a primeira mostra papai e mamãe abraçados até a cintura. Já a segunda é de Jéssica e Fernando, ambos rindo, ele está abraçando-a em seu vestido branco e véu.

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