Acordo. Sinto uma dor latejante na cabeça. Tento me mover, mas meu corpo parece pesado demais. Abro os olhos e a luz branca me atinge com força, me fazendo fechá-los novamente. Ouço o som constante de um bip, que parece cada vez mais próximo. Há uma respiração calma perto de mim. E o cheiro forte de limpeza me cerca.
Abro os olhos outra vez, desta vez consigo mantê-los abertos. Olho em volta e vejo que estou em um quarto de hospital. O som da respiração vem de um homem dormindo na poltrona ao lado da minha cama. A dor na cabeça aumenta; não consigo nem pensar direito. Não sei como vim parar aqui... Não me lembro de nada.
Vejo que meu braço está com um acesso, por onde um líquido transparente escorre devagar, deve ser soro. No meu dedo, há um dispositivo com uma luz que pisca de forma rítmica. Puxo o cobertor com esforço e vejo que meu outro braço está com uma munhequeira. Há marcas roxas espalhadas ao longo do antebraço, como se algo tivesse me segurado com força demais.
Minhas pernas têm algumas cicatrizes visíveis; meu joelho está com um curativo grosso, e há hematomas em tons arroxeados e amarelados espalhados pela pele. Tento mover as pernas, mas elas não respondem bem. Tenho que praticamente jogá-las para fora da cama. Meus braços e pernas formigam, como se estivessem dormindo há mais tempo do que deveriam. Mas continuo forçando meu corpo a sair da cama, sentindo cada ponto dolorido despertar junto comigo.
Quando meus pés tocam o chão frio, uma angústia me atravessa. Tudo é real. Não é um sonho. É real. Estou aqui. Fico de pé, usando o suporte de soro como uma muleta improvisada. Mas, ao tentar dar um passo, minhas pernas falham, e eu caio. O impacto é duro. Grito de dor e tremo em agonia quando a agulha do soro estica na minha pele.
— Júlia! — a voz profunda do homem me desconcentra da dor. Ele já está de pé, me alcançando. Os olhos arregalados, assustados. As mãos tocam meu rosto com urgência e cuidado, como se ele não soubesse por onde começar a me salvar.
— Ei, ei, calma. Você tá bem. Eu estou aqui.
Mas eu não sei quem ele é.
Meu corpo dói. Minha mente pesa. E, mesmo assim, tudo o que consigo sentir é esse vazio latejante de não saber o que está acontecendo ou por que estou aqui.
Sinto o calor da mão dele segurando a minha, como se eu fosse quebrar por completo se ele soltasse.— Você se machucou? — ele pergunta, agachado ao meu lado, me segurando com um cuidado que me dá ainda mais vontade de chorar. Seu olhar vasculha meu rosto, minha pele, meu corpo.
— Droga... eu devia estar acordado — ele sussurra, mais para si do que para mim.
Não consigo responder. Só balanço a cabeça devagar. Não sei se estou dizendo "não" ou se estou apenas tentando existir.
Ele tenta me erguer com o mínimo de impacto no braço onde o soro ainda escorre. Seus braços são firmes e quentes. Por um instante, meu corpo quase se encaixa no dele. O cheiro dele me invade, algo familiar e, ao mesmo tempo, completamente estranho.
Meus olhos ardem. Estou tremendo.Assim que ele me acomoda de volta na cama, o som apressado de passos se aproxima. As vozes chegam antes dos rostos, como um borrão de sons e toques. Os médicos entram no quarto às pressas. Mãos me tocam com cuidado técnico, checam meu pulso, os batimentos, a agulha que quase foi arrancada. Mas minha cabeça já gira outra vez.
— O que aconteceu? — pergunta a enfermeira, já reconectando o tubo ao suporte de soro, que ela posiciona novamente ao lado da cama.
— Ela... tentou se levantar e caiu — a voz dele falha um pouco. — Eu estava dormindo. Não vi na hora.
— Isso é comum — diz o médico, com um tom de calma treinada. — Pacientes que acordam de um coma costumam sentir confusão, desorientação. Às vezes não reconhecem suas próprias limitações físicas.

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Amnésia
ChickLitJúlia acorda sem memórias, cercada por rostos que dizem amá-la. Um noivo dedicado, pais atenciosos, e um passado que ninguém parece disposto a revelar por completo. Enquanto tenta se reencontrar, percebe que há algo por trás dos sorrisos e das palav...