Milagre de natal?

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Mais um dia chato na minha vida.

Segundo ano na faculdade de artes visuais. Eu gosto da minha faculdade, e graças ao que aprendi nela e por estudos independentes, consigo bicos como designer gráfica e vendia meus próprios quadros de desenhos pela internet, às vezes. Isso me ajuda a me sustentar, e não depender apenas dos meus pais, que moram no interior.

Eu tinha viajado pra capital para cursar a faculdade, havia ganhado uma bolsa, e meus pais dão duro para conseguir me manter num apartamento legal perto da faculdade, e me mandar dinheiro pra necessidades básicas, como comida, vestuário e higiene, mas eu me sentia mal por depender tanto deles. Os bicos que faço me ajudam muito, consigo até juntar um pouco às vezes com algumas economias que faço, mas ainda não é o suficiente pra me sustentar sozinha. Já até pensei em dividir o apartamento, são dois quartos aqui, mas, bom... as pessoas não fazem fila pra ficar perto de mim.

Eu sempre fui muito introvertida, e á medida que fui crescendo, isso só tendeu a continuar: assistia muitos animes e séries, e isso me fez querer aprender a desenhar, e me ajudou a escolher o curso que estou agora, e também fazendo com que eu quase não socializasse. Além disso, nunca fui muito "feminina", o que nunca me ajudou com garotos, além de não ter o corpo padrão de beleza da atualidade. As garotas sempre ficavam perto de mim porque eu era a "amiga feia", mas estudiosa, que sempre segurava as pontas nos trabalhos da escola e coisa do tipo. Depois que percebi que, por algum motivo, as pessoas não gostavam de ficar perto de mim, apenas me isolei mais ainda. Na faculdade, então, só falo o necessário com meus colegas de classe, e com os professores.

As coisas que mais gosto de fazer são jogar videogame e desenhar: sempre que não estou fazendo uma coisa, estou fazendo a outra. Com o tempo, meus desenhos foram ficando mais bonitos, e meu foco era no realismo. Com certeza é muito difícil, mas treinei o suficiente pra mim mesma gostar do que desenhava. As pessoas que compravam também adoravam, mas tinha um certo desenho que eu nunca havia mostrado pra ninguém.

Intitulei-o como "O garoto dos meus sonhos".

Um dia eu estava entediada, e imaginei como seria o homem perfeito pra mim, fisicamente falando. Sabia que no estado em que eu estava e com a minha personalidade eu não tinha muita escolha de físico de garotos, então criei o meu próprio: tinha os cabelos loiros repartidos para o lado esquerdo, alto, mais ou menos 1,90m, olhos azuis como um céu sem nuvens, rosto bem marcante, e um corpo definido.

Confesso que chegou um ponto em que eu comecei a ter uma certa obsessão por esse "personagem" que criei, desenhando-o em várias poses, com várias roupas diferentes, e muitos desenhos até sem roupa alguma (tá, noventa por cento dos desenhos eram dele nu).

Fora estudar, desenhar e jogar, não havia nada acontecendo na minha vida. Minha rotina era mais monótona do que protagonista de anime genérico antes da sua vida ter uma reviravolta.

Estava de férias, no fim do ano, e um desses dias saí de casa pra repor o que faltava dos meus materiais de desenho: cadernos, canetas, lápis de cor, e etc. fiz uma lista do que estava faltando e fui até o centro da cidade, mas só ao chegar lá que lembrei que era véspera de natal, e todas as lojas estavam fechadas. Me xinguei por ter sido tão desatenta e comecei a caminhar nas ruas, passando um pouco de frio por conta do clima de inverno, até que tive a sorte de ver uma lojinha pequena de papelaria aberta. Agradeci aos deuses pela sorte e entrei.

Quem estava lá era uma senhora, que estava limpando as prateleiras. Assim que abri a porta, um sino nela tocou, alertando a senhora que havia um cliente.

- Boa tarde! – ela disse, com um sorriso caloroso no rosto.

- Boa tarde! Que sorte a minha que sua lojinha ainda estava aberta!

- Fique à vontade, minha querida. Espero ter o que você procura aqui.

No fim, tudo o que eu precisava comprar, lá tinha para vender, o que me surpreendeu, tendo em vista que parecia uma loja bem simples pela fachada. Coloquei tudo no balcão e ela fez a soma, me informando o valor do qual eu deveria pagar. Paguei em dinheiro, e antes que eu fosse embora, ela chamou minha atenção.

- Eu queria te dar um presente, como um agradecimento pela sua compra no meu estabelecimento. – Ela estendeu a mão, e havia um lápis lá. Ele não parecia divergir muito dos comuns, mas sua madeira era um pouco diferente, como se ele fosse, de certa forma, rústico. Era um tom de madeira mesmo, e não era liso.

Aceitei o lápis, mais por educação do que por querer mesmo. Dificilmente me ajudaria em algo, a não ser algum rascunho e primeiros traços dos desenhos.

- Espero que o use em um desenho importante, e que o desenho seja feito com carinho. Posso ver que tem talento.

- O-obrigada... eu vou indo agora. Muito obrigada pelo presente, e feliz natal pra senhora!

- Feliz natal, minha jovem.

Fui pra casa com uma sensação estranha, mas não sabia exatamente dizer o que me causava aquilo. Continuei meu caminho até em casa, pegando um ônibus até chegar lá. Tirei as comidas da geladeira e coloquei pra esquentar: purê de batatas, arroz com passas, e peru, tudo que minha mãe havia me mandado. Eu adorava a comida da minha mãe.

Fui para o computador, joguei um pouco, e depois jantei. Então me bateu vontade de desenhar, e fui até minha mesa, peguei um papel, e aí lembrei do lápis que aquela senhora havia me dado. Pensei que, ao menos uma vez, poderia usar o lápis, apenas pra suprir meu psicológico de não estar fazendo uma desfeita (pra uma pessoa que não conheço, isso deveria nem ser relevante, mas minha cabeça funciona assim).

Comecei a desenhar, e o lápis tinha algo que eu não sabia descrever, mas era muito bom de usá-lo. Parecia que ele se adaptava á minha mão, e eu desenhava com muita facilidade. Comecei a desenhar ele de novo, Erwin Smith. Foi o nome que dei a ele. Um cara que, se existisse de verdade, nunca olharia pra alguém como eu.

Mas não custa nada sonhar.

Me empolguei tanto no desenho, em fazê-lo perfeito, que nem notei o tempo que passou. Quando terminei o desenho, o despertador tocou, indicando que era meia-noite. Ao mesmo tempo meus pais me ligaram, uma chamada de vídeo, e eu os atendi, dando feliz natal. Conversamos por alguns minutos, vi alguns outros familiares meus que estavam na confraternização com meus pais e depois desliguei. Coloquei mais ração e troquei a água da minha gatinha, Salém, e depois de guardar o resto das comidas e lavar a louça, voltei pro meu quarto. Normalmente eu tenho costume de dormir às 3, 4 da manhã, mas naquela noite, eu estava caindo de sono á meia noite e meia. Acabei organizando minha mesa, guardando meus materiais e meus desenhos, e mais uma vez peguei a folha da qual havia desenhado naquela noite, admirando meu próprio trabalho, e deixei a folha em cima dos meus cadernos. Tomei um banho, vesti meu pijama de unicórnios, desliguei meu computador e deitei na minha cama, caindo num sono pesado.

[...]

Acordei devagar, tinha tido um sonho maravilhoso, com Erwin. Mesmo sendo bom, eu me sentia mal, por sonhar tanto com alguém que nem sequer existia.

Abri os olhos lentamente, e vi um borrão branco, amarelo e azul na minha frente. Pisquei mais algumas vezes, e fiquei paralisada quando vi que havia uma pessoa deitada na minha cama, olhando pra mim.

- Bom dia, Rosalie.

O Garoto dos Meus Sonhos - Erwin SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora