Capítulo 3

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Celine

Decidi que seguiria a profissão de organizadora de casamentos aos vinte anos. Realizei cursos na área de eventos, fiz bicos como garçonete em festas, assisti a dezenas de casamentos, anotando cada detalhe das cerimônias e das recepções — algumas suntuosas; outras muito simples.

Aos vinte e dois anos, abri meu próprio negócio na sala da casa onde nasci e morava sozinha com a Carol. Tinha apenas uma escrivaninha, um computador e uma agenda. Mas possuía o coração cheio de sonhos. O maior de todos: contribuir para que o grande dia de cada casal de noivos que me contratava fosse um inesquecível conto de fadas.

Como um dia eu esperava que acontecesse comigo.

Seco rápido uma lágrima que escapou do meu controle e rolava por meu rosto. Olho para o caderninho cuja capa com estampa de rosas contém pequenas ranhuras causadas pela manipulação excessiva.

Fecho os olhos, numa luta sem trégua para impedir o choro. Encosto-me ao espaldar da cadeira de madeira. Estou sentada a uma das mesas do Café, na semiescuridão. Ariane já foi embora faz meia hora. Eu também já deveria estar a caminho do meu apartamento na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, a quinze minutos daqui. São sete horas da noite e preciso tomar banho antes de receber minha doçurinha para passarmos juntas nossa noite de meninas.

Mas, para variar, tranquei a porta de vidro do Café, após encerrar o expediente e fechar o caixa, abri minha bolsa e arranquei de lá de dentro minhas memórias mais torturantes. Coloquei meu passado em cima da mesa e, como um bêbado que choraminga numa mesa de bar a perda de um amor, estou me apiedando de mim mesma por tudo que perdi, por tudo que jamais vivi.

Perdi todos os meus sonhos aos vinte e sete anos. Na mesma época que abandonei a magia romântica que era a matéria-prima da minha alma. Deixei para trás a menina que cresceu acreditando no amor, porque em sua infância foi somente isso que ela viu entre seus pais: amor, companheirismo, doação, felicidade. Soterrei a expectativa de algum dia ouvir do homem que eu amaria para sempre: "Aceito Celine Lacerda da Silva como minha esposa, para amar, proteger e respeitar, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida."

Mário Cunha não foi esse homem. Não poderia ser. O jovem cardiologista nunca me amou. E talvez eu tenha apenas amado a ideia de ser amada por ele. Porque o desejo de encontrar um homem que me amasse tanto quanto meu pai amou minha mãe era o que realmente me movia desde a infância. Então, quando o educado médico, irmão de um dos padrinhos do casamento que organizei aos vinte e cinco anos, me convidou para sair (no momento que já não suportava mais a solidão e a espera pelo meu grande amor), tecendo elogios intermináveis ao meu lindo rosto, eu acreditei que, enfim, meu conto de fadas se realizaria.

Quanto engano, quanta ingenuidade...

Jogo o caderninho de volta à minha bolsa. Chega de masoquismo, Celine! Não sei por que não o jogo no lixo. Sou mesmo uma masoquista de carteira. Eu deveria tê-lo picado em pedacinhos há, precisamente, três anos e três meses. Mas mantenho o mesmo hábito da minha adolescência: passo suas páginas, relendo alguns trechos — meus preferidos — e suspirando pelas imagens que eles suscitam, pelos acontecimentos que nunca sairão delas.

Levanto-me da cadeira, prendendo meu rabo de cavalo com mais firmeza e penteando com os dedos a minha franja. Ponho a cadeira virada em cima da mesa, como estão as outras. Arrumo minha blusinha branca justa em cima da calça jeans e penduro a bolsa no meu ombro, verificando se está tudo desligado e organizadinho no salão. Sou organizada demais. Talvez seja por isso que me dei bem tanto como garçonete quanto na assessoria de casamentos ou na administração do meu Café. Não consigo raciocinar direito em meio à bagunça.

Deixe-me te amar [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora