Único

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Harry Potter não tinha muita pressa naquele dia. Era véspera de natal... Hogwarts estava incrivelmente vazia, com exceção de alguns poucos estudantes que vagavam pelos corredores. Esse ano em específico, Hermione tinha voltado para casa e os Weasley se reuniriam n'A Toca, como sempre. Harry foi convidado, mas negou educadamente, sob a desculpa de ter um compromisso inadiável.

Aquela parte não era bem verdade, – que tipo de compromisso ele poderia ter, afinal? – mas Rony não o questionou, ocupado demais divagando sobre o tipo de presentes que receberia quando a hora chegasse.

Distraído, Potter sequer percebeu quando o ambiente ficou subitamente mais frio e escuro. Tinha um olhar confuso...  Até se dar conta de que havia caminhado diretamente para as masmorras, e que talvez não fosse uma boa ideia que alguém o visse ali. Entretanto, assim que se preparou para dar meia-volta, uma risada extremamente conhecida sibilou às suas costas.

— Perdeu o rumo da sua própria casa, Potter? – Diferente de outras ocasiões, aquele tom exalava muito mais divertimento do que a usual ironia debochada. Assim que se virou, Harry se deparou com Malfoy, encostado na parede de pedra e parecendo relaxado. Sua postura indicava que não tinha interesse em provocá-lo, as mãos estavam nos bolsos das vestes esverdeadas.

— Acabei me distraindo e vim parar aqui. – Ele resolveu ser sincero, ao invés de dar a má-resposta que estava na ponta da língua. – Mas já estou voltando pra minha sala comunal, não se preocupe. Não está nos meus planos de Natal invadir o seu precioso reino sonserino.

Draco gargalhou. Eles, surpreendentemente, perderam alguns bons minutos conversando no corredor depois disso; o bastante para que Harry chegasse a conclusão de que, quando não estava sendo um pé no saco, Malfoy era uma companhia muito agradável.

— Escuta, o dormitório da Sonserina tá vazio esse ano. Eu fui o único a ficar, e não gosto muito de passar o Natal sozinho. Percebi que seus amigos também não estão, então estava pensando se você não gostaria de entrar e beber alguma coisa.

Potter arqueou as sobrancelhas, genuinamente surpreso, e embora tivesse formulado a desculpa para evitar uma situação, se ouviu concordando alegremente. Inicialmente certo de que aquilo era algum tipo de pegadinha, todas as suas teorias caíram por terra quando Draco foi, de fato, um anfitrião amigável. Questionava sobre o mundo trouxa curiosamente, e Harry aos poucos se deixou aproveitar enquanto anoitecia do lado de fora.

Estava perto da meia-noite quando eles resolveram que precisavam de uma boa xícara de chocolate-quente, se esgueirando pelos corredores vazios e escuros até a cozinha.

— Vamos rápido, acho que tem alguém vindo. – sussurrou o moreno, rindo bem baixo de si mesmo e da situação que havia se metido, e logo com a pessoa mais improvável de todo o castelo.

— Não apresse a arte, Potter. – ralhou o dono de olhos azuis, com um sorriso suave nos lábios.

Em questão de segundos, as xícaras quentes estavam entre os dedos dos bruxos, enfeitiçadas para que não derramassem uma gota enquanto corriam em silêncio, apressados para fugir da silhueta de quem quer que tenha tido a mesma ideia de furtar algum alimento no meio da noite.

Finalmente de volta a sala comunal da Sonserina, o loiro o convidou até os dormitórios, sob o pretexto de ser uma rápida parada para descanso.

— De todas as formas que pensei em passar o dia hoje...  Passar com um Potter definitivamente não estava no topo da lista.

Harry soltou um riso suave.

— Dizem que o Natal é milagroso, Malfoy.

— Onde dizem isso? No mundo dos trouxas? – questionou, com uma das sobrancelhas arqueadas. O tom da sua pergunta, no entanto, não era ofensivo, mas estranhamente divertido. O moreno deu de ombros, desacostumado com aquele tipo de interação não-agressiva.

— Você não concorda?

— Em partes. Acho que o milagre natalino é só uma premissa pra fazermos coisas que já queríamos ter feito há muito tempo, mas ficamos sem coragem.

Um silêncio confortável sucedeu a teoria enquanto Harry pensava sobre o que tinha acabado de ouvir. Draco, por outro lado, aproveitou o momento de distração para agitar a varinha discretamente atrás das suas costas. O tilintar baixo da magia foi tão sutil que ele mesmo sequer teria percebido se não estivesse prestando bastante atenção.

— Olha, Harry. – chamou, após pigarrear. Aquilo não deveria ser difícil. Não tinha que ser. Assim que os olhos verdes se viraram em sua direção, ele suspirou fundo, um tanto envergonhado, e apontou para cima, para o espaço entre eles.

Bem junto de algumas decorações de final de ano, um pequeno visco mágico surgiu alegremente.

Harry soltou um riso.

— Quer dizer que tudo não passou de um plano pra me ter aqui?

O loiro deu de ombros, a coloração avermelhada tomando conta de suas bochechas até às orelhas rapidamente.

— É, pode-se dizer que sim.

— Sabe, Malfoy... – ele começou, se aproximando consideravelmente do outro, os rostos a poucos centímetros de distância. Draco engoliu em seco. – Se você queria me beijar, poderia simplesmente ter dito.

— Pra você zombar da minha cara e tentar me azarar? Não, obrigado. – sussurrou em resposta, inclinando-se o suficiente para que suas testas se encostassem. – Além do mais, essa era a minha única chance de te convencer que eu não sou um completo otário.

— Talvez parcialmente – Harry soprou, erguendo a destra para o rosto alheio. Acariciou sua bochecha com o polegar, apreciando a forma como sua mente assimilava o que sentia cada vez que as peles se tocavam.

— Talvez parcialmente.

Por fim, quando os lábios se tocaram, uma explosão de sentimentos – que Potter não sabia existirem – eclodiu em seu peito gradativamente, quase nuclear, se espalhando por cada célula do seu corpo como um invasor.

Seus dígitos se enroscaram nos fios loiros da nuca alheia, enquanto as mãos de Draco o envolveram de maneira acolhedora pela cintura. Um estalo suave foi ouvido pelo quarto vazio enquanto se beijavam quietamente, apenas sendo interrompidos pela risada tímida do Malfoy.

— Pode ser que o Natal seja mesmo milagroso. – sussurrou, sem se afastar. A sensação dos lábios se roçando deixavam Harry desconcertado.

— Ou só uma premissa pra fazermos algo que queríamos ter feito há muito tempo.

Touché, Potter.

Eles se acomodaram juntos na cama de Malfoy, a cabeça do moreno aconchegada confortavelmente em seu peito, enquanto tinha seus fios acariciados sem pressa.

Aquilo deixava Harry com dois dilemas:

Um, como lidaria com Lucius Malfoy e a pressão popular de Hogwarts, que acreditava fielmente que eles seriam inimigos até o fim dos tempos?

E dois... Como raios explicaria aquilo para os seus amigos?!

— Não pense demais, Cicatriz. – Ouviu a voz suave suspirando perto do seu ouvido. Ele assentiu, quieto.

Resolveria aquilo depois. Naquele momento, apenas aproveitaria o milagre do Natal.

Under the mistletoeOnde histórias criam vida. Descubra agora