Capítulo 2: Rastro

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Igor atravessa a grama curta do cemitério e sente o clima frio perpassar seu corpo, mesmo que esteja vestido com um terno. Olha o céu escuro e se pergunta onde foi parar a lua naquela fatídica noite, nunca entendeu o porquê, mas sempre gostou de ir ao cemitério à noite, talvez seja porque é um horário que não tem quase ninguém, apenas aqueles que perderam seus parentes no calor da madrugada. Não que aquela madrugada seja quente, ao contrário, emana certa frieza que se alinha com seu âmago.

Chega enfim ao túmulo que procurava e o nome gravado na lápide lhe deixa com ânsia de vômito, uma sensação de formigamento na ponta dos dedos, não saber o que aconteceu com ela o deixa irritado consigo mesmo, como se fosse sua culpa não descobrir o que houve naquele maldito hospital, naquele trágico dia. Suspira e sente uma gota de chuva na ponta de seu nariz, olha para cima e sente a friagem antes do impacto das irmãs daquela gota; uma chuva no meio de Setembro é tão estranha como os fatos que envolvem tudo o que aconteceu naquele dia, mas não tão estranha se comparada à tristeza que consome seu ser.

A lápide ao lado da dela, com o nome daquele que nunca conheceu, deixa-o com uma sensação ainda mais inquietante, não entende esse costume de fazer lápides para aqueles que desapareceram, como se tivessem morrido ou deixado de existir. Sente uma lágrima escorrer em seu rosto e se abaixa sob um joelho, alisa o nome daquela que um dia amou mais que qualquer outra coisa e vê uma mão cadavérica saindo do túmulo e agarrando seu pulso.

Acorda atordoado e quase cai da cama. Passa alguns minutos encarando o teto enquanto sua respiração volta ao normal, seu coração bate tão forte que parece querer pular de seu peito. Sente o corpo completamente suado e olha para o lado, o berço continua no mesmo lugar e não há nenhum indício de que o bebê ali dentro tenha acordado. Percebe uma mulher deitada de lado, no outro lado da cama, e sorri aliviado por estar tudo bem com ela.

Toca em seu ombro e sua aliança dourada brilha quando se encontra com a luz da lua que entra pela janela. Reflete que no sonho não havia lua e que bom que no mundo real ela ainda está lá. A mulher se remexe com o toque e se prepara para se virar, Igor por sua vez, prepara-se para lhe dar um beijo apaixonado. Ela se vira, mas seu rosto não parece o mesmo, está quase esquelético, cheio de pequenas feridas e sua boca saliva sangue, como se fosse um cachorro com raiva. Igor é empurrado contra a cama e leva uma mordida na garganta. Sente uma dor aguda se instalar no local do dano e só não grita porque não consegue. A mulher puxa e arranca um pedaço de seu pescoço, depois mastiga e engole, e Igor apenas arregala os olhos, sem fazer a menor ideia do que acabou de acontecer, enquanto afoga no próprio sangue.

Abre os olhos e sente o gosto metálico na boca, mas quando se levanta de forma brusca e corre até o banheiro para cuspir na pia, encontra sua saliva normal, sem nenhum rastro do líquido rubro. Olha-se no espelho e passa as mãos pelo pescoço, para se certificar de que ainda está inteiro. Está! Suspira aliviado e reflete que não aguenta mais aquele tipo de sonho, sempre a mesma coisa, sempre envolvendo as mesmas pessoas e os mesmos acontecimentos.

Balança a cabeça e sai do banheiro. No quarto, encontra a mulher com quem transou ontem à noite, ela dorme um sono profundo e o lençol a cobre por inteiro, com exceção de um seio. Essa mulher não é a mesma do sonho de Igor, e embora tenha sido uma noite muito prazerosa, não chegou nem perto da conexão que ele estabelecia com aquela que hoje assombra seus sonhos.

Caminha até uma caixa de papelão onde guarda suas roupas, procura uma cueca e veste a primeira que encontra. Seu celular vibra e ele se sente frustrado ao perceber que se trata de uma mensagem de seu novo empregador, perguntando pelas novas artes promocionais para as redes sociais. Igor ignora a mensagem e liga seu computador, sentando-se na cadeira logo depois. Reflete que ainda nem começou essa nova demanda e que seu prazo termina semana que vem, ou seja, terá que passar as próximas horas com a bunda naquela porcaria de cadeira, criando novos layouts que chamem atenção o suficiente para que o empregador fique satisfeito, afinal de contas, precisa ser indicado para ganhar novos empregadores, para que com isso ganhe mais dinheiro e com mais dinheiro obtenha mais informações sobre o que aconteceu naquele dia.

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