1. O Conto Do Oceano.

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Querido Santiago,

Devem ser sete da noite, o barco balança um pouco mais não me deixa desconfortável. No quarto ao lado, reside outro vampiro artista como eu. Ele pinta quadros mórbidos, tão belos... Capta perfeitamente a grande tragédia humana: viver. De meus aposentos, posso notar o oscilar do oceano e isso me deixa nostálgica.

Estou escrevendo meus devaneios aqui como me pediu quase que ordenando. De vingança, irei batizar este diário de Santiago também, assim irei fingir que todos os dias estará escutando minhas ladainhas. Disseste que isso aqui poderia me ajudar a me redescobrir e a recuperar minha criatividade com minha arte. Me pergunto onde está agora... Vou seguir o seu conselho e darei um mergulho ao meu passado. A propósito, acho que meu sotaque está mais suave, acho que estou me adaptando ao português.  Tudo bem, irei parar de o enrolar...

Eu nasci numa noite estrelada como essa, perto do mar. Sempre gostei do mar, pois o mar me fazia recordar a minha mãe. Minha mãe era uma jovem meretriz, a pouco vindo da Itália. Tinha o sonho de se tornar uma grande cantora boêmia, porém isto não vingou. O mundo não estava pronto para sua genialidade. Seu nome era Mona Elizabeth, minha avó tinha uma atração por nomes que soassem "realeza". Não cheguei a conhecê-la, mamãe dizia que ela era uma velha severa. Pois bem, nasci numa noite estrelada no interior da França. Filha de uma mãe meretriz e provavelmente, um  pai pescador. Nasci do sexo dos filhos de Adão, mas mamãe nunca foi do tipo Tradicional, então me nomeou de Marine. Não Mário, não Maria, Marine. Mamãe costumava dizer que eu tinha olhos profundos como o oceano. Um olho marrom e outro cinza esverdeado, cabelos negros como a noite. Quando as mulheres me trouxeram ao mundo caótico e viram como eu era, questionaram minha  mãe de quem eu era filho. Quando disse que não sabia exatamente quem era o pai, elas se benzeram. Fui apelidada pela aldeia como "estupro do diabo". Quando as mulheres me viam brincado com os seus garotos, elas o puxavam para as cabanas e me jogavam água benta. Mamãe ficava furiosa.
Certa vez, cheguei em casa e mamãe questionou porque voltara tão cedo, se tinha dito que eu iria brincar. Eu a disse "eu não tenho amigos, eles acham que eu sou ruim". Eu sentei a um canto e ela veio até mim, olhei para ela com semblante triste e pedi "mamãe, brinca comigo?". Ela me pegou no colo e me colocou diante de uma tela em branco e com uma paleta de aquarela em mãos, ela pintou um quadro enquanto contava a história sobre um passarinho que nasceu diferente de seus irmãos no ninho, pois foi um ovo deixado por um homem que diziam ser um mágico, e por isso era desprezado. Até que um dia ele morreu queimado enquanto voava muito perto do sol. Seus irmãos lamentaram a sua morte, e regaram suas cinzas com suas lágrimas. Então das cinzas, surgiu um belo pássaro de plumas vermelhas e douradas que pareciam chamas e tudo se alegrou novamente. Mamãe terminou a história dizendo: "todo mundo tem medo, do que lá no fundo consideram especial". Depois, ela me pôs na cama e cantou para mim. Um canto tão doce quanto os ventos do oeste, que ela dizia que se ouvisse bem, poderia ouvir as sirenas cantando e seduzindo os marujos. Mamãe me contou que eu nasci na água do mar, brincava que eu não pertencia a ela, pertencia ao oceano, as sirenas. Que eu era um presente... Ela amava o oceano. Dizia que era profundo e misterioso como eu e ela, que as pessoas tinham medo e se afastavam de nós por isso. Lembrar disso, sempre me fazia sorrir. Ela cantava para eu dormir, e eu a acompanhava até adormecer. Eu gostava de cantar com ela. Infelizmente, com o tempo, não foi havendo mais histórias em quadros pintados a luz de vela. Não foi havendo mais músicas ecoando pelas paredes úmidas de nossa casa. Até que um dia, não houve mais mamãe também... Ela se foi na sua melancolia numa manhã. Ela dormiu e nunca mais acordou. A última coisa que me disse, foi algo na noite anterior: "A única certeza que eu sempre tive, foi que você se chamaria Marine". Ela me acariciou o rosto e dormiu. Dormiu para sempre... Eu não tive como enterra-la, então a vesti em seu mais belo vestido azul. Azul turquesa... Arrastei seu corpo até o cais pela manhã, bem cedo. E assim, a lancei no mar. Ela boiou por um momento, enquanto a maré a levava para longe. Até que sumiu na névoa matutina. Me deixando completamente sozinha. Eu chorei antes de me virar para ir embora, pude jurar ter ouvido uma bela melodia vinda dos ventos do oeste. Naquele momento eu soube, não importa onde eu estivesse, ela estaria comigo, cuidando de mim. E por favor querido, não pense que é uma história trágica sobre tristeza. Não, longe disso...

É uma história sobre amor.

Com amor, Marine.

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⏰ Última atualização: Jan 03, 2022 ⏰

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