Deslizava desajeitadamente, tropeçando entre as folhas espalhadas pelo cômodo amplo, hora ou outra, chamuscando a toga de linho emprestada com as chamas de uma vela acesa derretida.
— Já amanheceu? — uma voz sonolenta soou das sombras, assustando-a. Sylvia xingou e forçou-se a caminhar até Irene, que estava jogada sobre uma pilha de tecidos coloridos. Notou, com estranheza, tratar-se de mantos e estolas abandonados.
Seu coração retumbou e correu conforme processava a informação da cena. Uma gargalhada escapou de seus lábios e sua irmã ergueu uma sobrancelha, juntando-se a ela em seguida. O vinho ainda surtia algum efeito, afinal.
— Onde estão todos? — perguntou em um bocejo. Sylvia correu os olhos pelo local, buscando o par perdido da sandália solitária em seu pé direito.
A casa, felizmente, ainda era a mesma: paredes de ladrilhos cozidos e estuques pintados; piso de pedra polida e móveis de madeira nobre e escura. Nada havia mudado. Pelo menos, ignorando a bagunça descomunal e o cheiro desagradável de algo estragado gerado pelos convidados e moradores no dia anterior.
Suspirou, pensando no trabalho que teria para devolver a ordem ao local caótico.
Suas preocupações, entretanto, desapareceram quando escapou para o atrium, onde o céu estendia-se em uma moldura vibrante, refletindo imensidão azul sobre o enorme tanque do centro. A música da cítara soava em alegria contagiante, contornando-a em um abraço harmonioso que fazia com que seus ossos vibrassem.
— Pensei que estivessem esperando o Sol invictis para erguer-se junto a Mitra — o som cessou e o pater familias, que dedilhava a cítara com os dedos gordos, voltou-se em sua direção.
Tinha cerca de quatro décadas. Seu rosto era redondo, quase desprovido de queixo, e seus olhos castanhos piscavam preguiçosos por cima do nariz longo e torto para a esquerda, tal como o dela. Seu pai, o chefe da casa.
— Para onde eles foram? — perguntou Irene em um eco das próprias dúvidas, cruzando os braços. Ele deu de ombros, apontando com a cabeça para a porta que dava acesso à rua.
Como se esperando pela deixa perfeita, Caius e Aucimus irromperam em uma confusão colorida. Assim como o pater familias, suas vestes haviam, de certa forma, se invertido. Ao invés das togas tradicionais, vestiam-se como mulheres romanas, arrastando túnicas adornadas com estolas brilhantes e cordas cuidadosamente trançadas em volta das cinturas.
Jóias tilintavam em seus pescoços e braços conforme se empurravam para dentro, discutindo fervorosamente.
— O que aconteceu? — Sylvia questionou, arregalando os olhos. Quando não obteve respostas imediatas, a sandália restante em seu pé cruzou o ar, acertando Aucimus, que resmungou e levantou as mãos para proteger-se de um possível futuro arremesso.
Caius, o irmão mais velho, parou para encará-las.
— Vocês estão terríveis — comentou franzindo o cenho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Suéteres, Biscoitos e Contos [COMPLETO]
Conto🏆|UMA DAS OBRAS VENCEDORAS DA COPA DOS CONTOS 2021 realizada pelo perfil oficial de contos da língua portuguesa. Acompanhe a jornada de elfos, casais apaixonados, romanos antigos e até mesmo fantasmas nesta coletânea especial de contos natalinos.