1. Lar-Doce-Lar

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#Açafrão
🐈

Antipatia.

A palavra tomou forma e um sabor ácido na ponta de sua língua ao estacionar Angela W. no acostamento da velha calçada da casa de seus avós.

Os segundos seguintes perduraram com seu olhar vagando de cima a baixo na Rua das Laranjeiras. Observou como o fim de tarde empalidece as cumeeiras das casas de telhado branco e traz um aspecto assombroso de abandono na rua deserta de pessoas, enquanto tomava coragem para descer da moto.

Estar de volta a Busan lhe acarreta uma série de sensações pouco convenientes de raiva e saudade, que o mantém cativo em um estado letárgico de discrepância desde que tomou a decisão de morar com seus avós. As memórias nostálgicas de sua infância e parte da adolescência de quando andava pelas ruas do bairro na companhia dos vizinhos voltaram furiosas, afogando-o numa desordem de pensamentos tendenciosos de amargura.

No entanto, o desespero e a vontade de fugir surgiu e o levou até ali, outra vez, em busca de acreditar que aquela parte turbulenta de sua vida na capital não passou de uma história inventada pela sua imaginação. Um sonho ruim, como sua mãe disse.

E ainda que desejasse a prevalência do sonho inventado, a realidade era como o concreto da calçada: dura e incorruptível. Por tal razão, abandonou o caos acadêmico de sua vida em Seul para viver um ano sabático. Tempo que julgou ser o bastante para esquecer-se da sensação impotente de fracasso que o cercava nas paredes brancas da sala de Anatomia, na faculdade.

Ainda com as mãos sobre o guidão da Harley Davidson Softail que ganhou de seus pais por passar no vestibular de medicina, encarou a casa azul-celeste ao lado da sua. A cruel hostilidade da vida confirmou-se mais uma vez. Por lá nenhuma mudança foi feita, permanecendo igual às suas lembranças. Apenas soou como mais um reforço de que existiu um tempo em que foi bem-vindo a considerá-la seu lar.

Largou um suspiro pesado, retirando o capacete ao descer da moto. Arrumou os cabelos amassados, puxando-os para trás e seguiu para a casa que costumava apaziguar a violência de seus pensamentos.

Ao adentrar a pequena varanda, foi acometido pelo contrário de paz; a casa inteira pareceu gritar no mesmo tom disfórico que a balbúrdia de sua mente desde que as coisas saíram do controle em sua vida.

Tocou a campainha na esperança de que tivesse alguém em casa, afinal, é sexta-feira. E conhece seus avós o bastante para saber que nas sextas, eles saem para se divertir.

ㅡ Meu neto lindo! ㅡ A senhorinha corcunda e grisalha abriu a porta com um sorriso alastrando seu rosto inteiro. O abraçou. ㅡ Como você cresceu, menino.

ㅡ Muito. Eu queria ter quatro anos para me pendurar na senhora igual um macaquinho e ficar grudado o dia inteiro.

Park ama o aconchego que só o abraço de sua avó traz. Ela é seu botão de pausa para o mundo, sempre quentinha e com o cheiro característico de pitanga da sua colônia favorita.

Ama, sobretudo, o cheirinho dela.

ㅡ Entre, estou com uma panela no fogo. ㅡ Puxou-o pelas mãos para fechar a porta. ㅡ Seu pai disse que chegaria de noitinha.

ㅡ Saí horas mais cedo, e o trânsito estava bom hoje. A Angela me trouxe são e salvo.

ㅡ Você e essa tranqueira velha. Eu briguei com o Seong-Ji por te dar essa moto. ㅡ Fez uma careta descontente. ㅡ Vir de avião ou trem é mais seguro.

Gato Ruivo Na Avenida Das Dores • jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora